Cadê a rabada, a costela…?

[25 set 2013 | Pedro Mello e Souza | 4 comentários ]

Pastéis de rua, por Sergio Coimbra

Chega o pedido da assessoria de imprensa de um evento que se intitula “7 maravilhas gastronômicas do Rio de Janeiro”. Querem que eu escolha algumas dessas maravilhas e me submeteram uma listinha. Entre os relacionados, um nhoque. Mas não vi coisas que eu escolheria de cara: rabadas, dobradinhas, cozidos, o arroz com feijão, a farofa, o prato feito, as moelas, o fígado acebolado, o frango à passarinho e ao molho pardo, as sardinhas, as manjubinhas.

 

Na área das carnes, somente o filé à Oswaldo Aranha foi relacionado. Votaria, claro, mas daria meu voto, igualmente, às picanhas de esquina, aos churrasquinhos de rua, às linguicinhas de Petrópolis, às costelas. Vi também um peixe com banana e um camarão casadinho. Não os conheço, mas sei bem das lulas à dorê, dos crustáceos de Jurujuba ou, melhor ainda, as que vêm das redes em Itaipu. Sei também dos cações, das cavalas e das tainhas de toda a faixa que vai de Cabo Frio a Rio das Ostras, passando por Búzios. Nada disso está na lista.

 

Cadê a rabada do Aurora? (FOTO PMS)

Da relação, só se pode votar em um único bacalhau: o da Gruta Santo Antonio. Adoro. Mas e o Adegão, desistiu do bacalhau? Será que os curadores do evento já estiveram na Cadeg, no Alfaia, na Adega do Porto, no Bacalhau do Encantado, locais em que se degustam ainda o melhor do arroz de polvo?

 

Em todo o estado, somente dois doces merecem indicações, segundo a organização das 7 Maravilhas. Um deles é o Kurt. Senti falta dos que eu votaria: os do convento de Teresópolis, os da Alda Maria, os da Colher de Pau, só pra citar doceiros em que se encontram emblemas bem mais fluminenses do que um dobostorte, um saint-honoré ou um cheesecake. Só existem pastéis no Chuveiro e no Bar Urca? Por que omitir as do Alvaro’s. Ou as de todos os restaurantes das “tias” de Guaratiba? Falando nelas, cadê o siri de mangue e as trilhas assadas?


Cadê a costela e a empada. O pessoal deveria provar a empada de costela da Academia da Cachaça: é Maravilha certa (FOTO Pedro Mello e Souza)

Se somente na área das trutas, a lista relaciona quatro concorrentes, por que as outras categorias bem mais fluminenses do que o peixe europeu também não têm o mesmo privilégio? Caipirinha não tem categoria? E as empadas? E o pão de queijo, hoje tão mineiro quanto carioca? O que uma única marca de café está fazendo ali? Cadê os outros, e são dezenas deles? Tem café de qualidade por todo o estado. E a macadâmia, que nem brasileira é? Se é pra ser contemporâneo, cadê os bolinhos de bobó e de feijoada? E os de bacalhau?

 

Goiaba e banana-ouro. Só duas frutas? Onde estão as laranjas de Campo Grande, as tangerinas de Silva Jardim, os morangos de Teresópolis, os caquis de Petrópolis? Há palmitos maciíssimos ao longo de toda a Serra, há cajus gordíssimos por toda as encostas que descem para Mangaratiba.

 

Linguiça na cachaça (FOTO Pedro Mello e Souza)

Se é pra focar em estabelecimentos específicos, em que categoria estão os sanduíches de pernil do Cervantes? ou a lagosta do Sentaí? Ou o pão com ovo de qualquer botequim? Se é pra ter tilápia, um peixe importado – hoje uma praga dos rios -, cadê os bagres, os lambaris, as traíras? Da manhã ao entardecer, qual é a melhor média com pão canoa e manteiga derretida? Cadê os pães doces, cadê os bolos, cadê os sorvetes e picolés e, se falamos em açúcar, cadê o pé de moleque, o doce de leite e a maria mole? Cadê os quindins e os bem-casados, que a literatura relembra dos antigos pregoeiros da Rua da Alfândega?

 

A lista tem chuvisco mas não tem brigadeiro; tem vinho de jabuticaba mas não tem caldo de cana; tem orgânicos de um sítio amigo, mas não tem os cocos de Quissamã; tem tomate de Paty de Alferes mas não tem milho de lugar nenhum.

 

Cadê as cervejas artesanais? Tem a Duas Cabeças, de Jacarepaguá, tem outras em Sepetiba, Guaratiba e até do Leblon! Cadê a cerveja Noi, de Niterói? Tem as cachaças do Vale do Paraíba e, se é pra ser mesmo local, a de Petrópolis? Sim, elas existem e está entre as melhores que já provei.

 

Cadê o caju e a caipirinha. Provem a caipirinha de caju (FOTO: Pedro Mello e Souza)

A lista não é só questionável – é incompleta. Há bons candidatos relacionados, mas não se vêm as verdadeiras maravilhas. Não sei se a lista que engessa a eleição foi feita no entusiasmo regado a chope, se é umabrincadeira que ganhou dimensão ou se há alguma motivação que indique uma marca e omita outras, como algum apoiador que imponha sua vontade amarga, como a que derrubou o Comida de Boteco.

Tudo evolui, outras ideias surgirão, mas, hoje, o fato permanece: para o desavisado, a escolha fica parecendo mais uma indigesta ação entre amigos – que precisam, com urgência, corrigir os lapsos e abrir um pouco mais o leque da inciativa, partindo do rumo da escolha pessoal para o que há de realmente fluminense em nossa culinária.

 

 

 


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Depoimentos

  1. Bruno Agostini disse:

    Bravo, Pedrão! Bravo! Também me chamaram pra votar neste concurso doido, mas como não tenho o seu talento para fazer um texto assim, achei melhor fingir que não vi o e- mail. Mas é cada uma que me aparece… Francamente….

  2. Kaki melo disse:

    Estou boba…fizeram transmissão de pensamento? SEntí falta desses vários conceitos culturais da nossa cozinha regional que são nossa identidade, que não ficou patenteada neste evento. Bjs