Irajá: o omakasê carioca

[20 jan 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Vieiras, tangerina, capuchinas (Foto Pedro Mello e Souza)

É grande? Resposta: é leve. É sentar e começar a degustar. A preocupação só vem antes: somente oito desses serviços serão preparados por dia. E a reserva é de até seis dias de antecedência. Faz parte: rigor rima com frescor, com atenção e com apuro de um menu-degustação de nível internacional.

 

O conceito de omakasê (do original japa お任せ), passa por duas ideias fundamentais: o talento do chef e o frescor de sua despensa. É assim que foi criado pelos japoneses, que têm estações tão rigorosas e definidas que a busca pelo ingrediente, antes de se submeter-se ao paladar, deve mostrar o seu primor.

 

Lagostim sobre crocante e o caldo clarificado de tomate (Foto Pedro Mello e Souza)

O início do omakasê de Pedro Artagão segue a filosofia dos japoneses. E abre com o lado cru, fresco, yang, de quatro ingredientes celebrados em qualquer balcão de Tóquio e Yokohama: a vieira, o lagostim, o atum e a carne de wagyu. Apostar no lado japonês da coisa é isso aí.

 

A vieira chega com o lado floral de nosso verão: com aroma de tangerina e uma cobertura de capuchinhas: fruta e pétalas dando estrutura à mais delicada das conchas. A mesma acidez refrescante veio com o lagostim, que chega apenas selado, com um crocante que abre a temporada dos contrastes à mesa. O caldo clarificado de tomate que acompanha é de celebrar o despertar de qualquer monge.

 

Atum, tutano, molho tarê (Foto Pedro Mello e Souza)

O atum veio com seu lado assumido de sashimi. Um bocado bastaria, se não fosse o tutano, que traz untuosidade no mesmo estilo que o foie gras foi desempenhando, desde o seu lançamento, pelo Mugaritz, no mundo, aqui pelo Kinoshita, de São Paulo e o Sushi Leblon, no Rio. Sim, tutano é o novo foie gras.

 

Outra quebra veio com a versão de Pedro Artagão para o steak tartare: fresco, compacto, quase uma mousse, vem envolvido em um embutido de folhas de nastúrcio, a folha da capuchinha, mas parente do agrião no paladar e na ciência. Atenção para o clado, um jus de vôngole.

 

Tartare, folha de nasturcio, jus de vôngole (Foto Pedro Mello e Souza)

Formalmente, o episódio dos crus se encerra, mas não o do frescor, que chega em uma burrata refrescante, com cobertura de brotos e de finíssimas lâminas de quiabo. Parece blazê? O azeite de manjericão faz toda a diferença. De um prato desconstruído. Valeu também a estrutura do chablis Domaine de Vauroux, que substituiu outro branco de entrada, o Joaquim, da Vila Francione.

 

Omakasê que se preze tem o seu lado lúdico, aqui honrado com a intensidade do ovo pochê – e de seu pãozinho para estourar a gema, abrindo a sequência dos pratos de cozinhar lento. É de choramingar, fazer bico e pedir outro, com olho lacrimoso de personagem da Disney. Na harmonia, um orgânico sul-africano, o Avendale Rosé.

 

Burrata, quiabo, brotos, azeite de manjericao (Foto: Pedro Mello e Souza)

Lado lúdico: ovo, toucinho, pãozinho (Foto Pedro Mello e Souza)

Outros pratos de preparados lentos ganham a seqüência: o de peixe, com a bochecha de cherne, com mais um festival de contrastes e sabores, com nozes e abacaxi – o lado thai do omakasê. O de crustáceos, no plural mesmo, com o espaguetinho de tinta de lula sobre vôngoles cozidos em sua essência escura, mas clareada com o creme de cabeça de camarão. E um polvilhado do mesmo ingrediente, que engana o experimentado: parece uma botarga.

 

Um detalhe na harmonia: a volta ao branco, com toda a estrutura do Renosu Bianco, da Tenuta Dettori, norte da Sardenha, um produtor que começa a tomar os rótulos mais delicados da cidade – não por coincidência, o Sushi Leblon é um deles.

 

Bochecha de cherne, nozes, abacaxi (Foto Pedro Mello e Souza)

Vongole, espaguete de nero di sepia, creme de crustáceos (Foto Pedro Mello e Souza)

Por fim, um dos orgulhos do chef, que chega, antes, com a bela peça de peito de wagyu, em um placão de madeira, para mostrar o pré-preparo – sous-vide de 40 horas Antes de vir à mesa, a carne ainda leva um choque na grelha e um ligeiro estágio na barrica do molho. Derrete na boca e dá mais um espetáculo de contraste, com a farofa de alho à Oswaldo Aranha. Achado à carioca.

 

Em muitos menus-degustação, o chef omite algum dos sabores salgados para a exibilção de seus talentos à mesa na sobremesa. Aqui, não: o pré-dessert vem com um crocante de tapioca que lembra uma gougère (o verdadeiro pão de queijo). No topo, uma marmelada de melancia e maracujá.

 

Peito de boi de 14 horas, farofa oswaldo aranha (Foto Pedro Mello e Souza)

No fim, uma daquelas que a gente quer ter sempre no café da manhã: uma terrine de frutas vermelhas, densa, intensa, com o maracujá fazendo o papel cítrico que a tradição destina a limões, laranjas e suas cascas. Outro achado à carioca.

 

No fim, a pergunta do início: É grande? É leve, repito, mas o Brasil ainda não está acostumado com muitos pratos por menores que sejam as porções. No caso do Irajá, não são tão pequenas assim, mas, ao contrário de experiências em restaurantes estralados, que nos estarrecem com até 30 pratos, aqui, lembraremos de todos.

 

Bolinho de tapioca, como uma gougère crocante. E compota de melancia (Foto Pedro Mello e Souza)

Terrine de frutas vermelhas (Foto Pedro Mello e Souza)

 

IRAJÁ GASTRÔ

Rua Conde de Irajá 109

Botafogo

Rio de Janeiro

Omakasê de 11 pratos: 230 reais

Harmonização de vinhos: 130 reais (três rótulos) ou 180 reais (cinco rótulos)

Tel.: (+55 21) 2246-1395

www.irajagastro.com.br

 

 


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