De olho na gastronomia

[22 mar 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

ATENÇÃO: Essa matéria foi produzida em 2008 para a capa da revista EatinOut. Mas reedito aqui para valorizar os fotógrafos de gastronomia, que muitos pensam que substituem com fotos de celulares, em que os pratos perdem o brilho, a cor, o contraste, o volume, a suculência, a personalidade e até o caráter. Basta olhar alguns dos exemplos que vêm da época, em que esse olho dos profissionais valia – e continuam valendo, sempre valerão – mais do que qualquer filtro de 1 dólar, que se baixa do Apple Store.

 

Outra curiosidade é o movimento dos personagens. Falamos de Roberta Sudbrack ainda em Brasília, de Flavia Quaresma ainda em Botafogo, de Berg Silva, Fabio Rossi e Leo Aversa ainda no Globo.

 

Foto original de Sérgio Pagano para um evento em Pernambuco, que usamos na capa da quinta edição da EatinOut. Muitos pensaram que era matéria sobre chocolate - mas era sobre fotógrafos de gastronomia

 

DE OLHO DA GASTRONOMIA

Luciana Fróes

 

Sei o peso de um click certeiro, bem dosado e temperado. Dele, dependem minhas páginas semanais, os livros que edito e as eventuais colaborações que assino em revistas especializadas. Daí, ter como parceiros esse timaço de craques que recheiam essa edição, convenhamos, estimularia o apetite do mais enfastiado dos mortais. Imagine o meu, uma gastromaníaca assumida! Como engolir toda essa “sopa de letrinhas” a seco, sem harmonizar com a bela seleção de fotos feitas por esses mestres da fotografia gastronômica? Convenhamos, em matéria de comida, foto rouba a cena. É a cereja do bolo, a azeitona da minha empada.

 

Bob Noto, jornalista, gourmet, crítico e fotógrafo italiano cunhou o termo “food-look”, que adoro e considero fundamental. Autor de suas próprias fotos, Bob faz tudo na hora, em cena, enquanto come, sempre com um ângulo irreverente e olhar apaixonado típico de quem curte o que faz: fotografar e comer. Na hora de publicar, faz misérias no computador. O resultado é uma obra prima. Quem quiser conferir, seu ultimo livro chama-se Grandi chef di Spagna (Editora Giunti), um ensaio sobre a cozinha de vanguarda catalã.

 

Ensaio de Alexander Landau para o Prêmio Rio Show, de O Globo

Mas manipular foto é tema polêmico, que fica para uma próxima. Fiquemos no food look no Brasil, onde nomes como o de Sergio Pagano, pioneiro na área, logo vem a tona. Milanês, começou a fotografar profissionalmente em 1970 com arte conceitual e arquitetura. Só começou a se interessar por gastronomia em 1988, já no Brasil, quando passou a colaborar para a revista Elle. Não parou mais. Seu primeiro livro saiu em 1993, parceria com o chef Claude Troisgros, com fotos atualíssimas até os dias de hoje. Atualmente, acumula mais de 30 livros publicados. Entre eles, o da Roberta Sudbrack (Uma chef, um palácio, editado pela DBA), nossa primeira (e unica) parceria. Passamos dias nas “internas” do Alvorada,em Brasília, mais precisamente, na cozinha do Palácio, onde a chef era a titular. Passávamos horas testemunhando Roberta e seu staff em ação preparando os almoços palacianos. Um deles, para nada menos do que o premier inglês Tony Blair.

 

Enquanto eu anotava, Pagano clicava. Detalhe: em meio a uma coisa e outra, o rosbife de mignon do cardápio passou do ponto. O sufoco foi geral. Todos mudos (inclusive nós) tentando contornar a saia-justa. E contornaram, felizmente. Pagano registrou todo o episódio com sua camera discreta e precisa. Em novembro sai mais um livro do fotógrafo do forno. Dessa vez, sobre as sementes do Brasil, curadoria de Francisca Portinari e design de Vitor Burton. O que é uma boa foto de gastronomia para Pagano? ” Uma amiga costuma dizer que a comida me vê e sorri de felicidade e sabor. Acho que é porque só fotografo o que sinto que pode me dar prazer. Pode ser essa a minha receita”, resume Pagano, que selecionou duas fotos para exemplificar o seu trabalho: uma, a da capa dessa edição, feita para exposição pernambucana “Açúcar e com afeto”, nunca publicada no Rio, que exemplifica bem o seu modo de ver através da sensualidade e das formas saborosas e a outra. “Para mim, todas as fotos são importantes, feitas sempre com sabor e com afeto, porque elas começam do pruduto bruto e vão até a imagem final. O clique é apenas a arte final do meu pensamento.” Resume Pagano.

 

A chef Flávia Quaresma é que conta que toda a vez que sai foto de algum prato feito por ela na imprensa, o cliente chega no seu restaurante, o Carême com a publicação em punho e dizendo: “olha, eu quero um igualzinho a esse!”. A foto, querendo eu ou não, é o prato principal de qualquer matéria gastronômica. Berg Silva, 42 anos, meu parceiro d’O Globo, já foi responsável por vários desses cliques que fisgaram o leitores. E os levaram ao restaurante da Flávia. Há 17 anos, o repórter fotográfico caiu na gastronomia de bandeja. Depois de fazer muito tiroteio para as páginas do jornal O Dia, um entorse violento no pé levou-o as pautas mais leves de suplemento. Entre um músico e um artista de TV, fotografava um prato aqui e outro acolá. Tomou gosto. Passados três anos, é um dos mestre na área.


Foto de Berg Silva no Antiquarius, também para o Prêmio Rio Show, de O Globo - Camarão despenteado

Dono de um bem equipado estúdio em Santa Teresa, mantém um site bacanérrimo só de gastronomia no ar e é ainda feliz proprietário de cameras fantásticas, fundos mágicos e lentes preciosas. Chega a trabalhar com quatro delas ao mesmo tempo. O último mimo de Berg é uma lente usada para fotografar joias. Vai nas minuncias, nos detalhes… ” Comida para mim é uma joia” diz Berg. Segredos do mestre? Muitos: cor é tudo em uma foto de comida; terceira dimensão também é fundamental para realçar o prato no primeiro plano e, em caso de precisar de efeitos especiais, nada de computador. Uma fumacinha de cigarro soprada no canudinho, sem pressa, faz milagres… Dentre as muitas fotos que Berg me encaminhou, fiquei com os bolinhos salpicados de açucar que lembram neve e, ironicamente, foram clicadas em um galpão escaldante na Gamboa. E os 500 talheres recém-lavados na cozinha do Porcão, que o fotógrafo deu de cara casualmente, a caminho da adega e rendeu essa foto adorável. “Mas sabe o que mais me encanta em fotografar comida? Ela não reclama, não pede para ver como ficou, nem para mandar a foto depois!”, diverte-se.

 

Alexander Landau, 40 anos, é outra estrela que brilha no ramo. Há onze anos fotografa para revistas especializadas e livros do Senac. Até dezembro, dois novos estarão nas livrarias: do chef francês Roland Villard e do japa Nao Hara. Landau anda agora ás voltas com uma engenhoca cinematográfica que acabou de trazer de Nova York. Pagou quase 4 mil dólares por uma luz usada por cineastas. Com ela, pretende chegar próximo à perfeição. Prestes a ser pai de seu primeiro filho, Landau era bancário até 1987, mas dividia-se entre o “ponto” no Banco do Brasil e frilas em jornais como O Fluminense, O Dia e Estadão.

 

Seu primeiro clique gastronômico foi para a revista Gula. Hoje, vive com a agenda lotada. Em seu estúdio em Botafogo, é capaz de passar dez, doze horas fotografando um hambúrguer que aparecerá no encarte ou outdoor do Bob´s. Ou escalar um time de chefs e clicá-los nas mais inusitadas situações, como fez para a exposição que montou no MAM, durante o Circuito RioShow de Gastronomia desse ano. Apaixonado pelo universo gastrônomico, por ele, pegava a estrada e ia conhecer de perto todos os mercados, feiras e eventos ligados a comida Brasil todo. Em certa oportunidade, uma cliente queria reproduzir um clima de Tailândia, tendo com fundo um marzão bem azul. Só que estavamos a quilômetros do mar e chovia cântaros. A saída foi amarrar um pano azul com uma corda e pedir ao meu assistente para ficar balançado o pano e, assim, desfocar o fundo. Parado, daria para ver que era armação. O resultado me agradou. Melhor: à cliente também.

 

Erik Barros Pinto: gauffre de Bruxelas, do Eça

Para Fábio Rossi, apesar de novato em culinária, vem despontando em meio a pesos pesado. Para ele, o maior desafio é tornar um prato bonito mais apetitoso ainda. E, ao contrário, com pratos não tão generosos assim, sacar qual é o seu melhor ângulo. “Fotografia de comida tem que despertar a gula do de quem vê. E mexer com os sentidos, o que é um desafio”. Rossi selecionou fotos que considera valiosas por ter conseguido resolver bem em curtíssimo espaço de tempo. Foram feitas para divulgação do festival de gastronomia de Búzios. Para tanto, teve que fotografar 25 restaurantes em apenas um fim de semana. Isso sem qualquer suporte, produção, assistente… “Essa rapidez é uma coisa que o jornalismo diário nos dá ” diz Rossi, que hoje assina as fotos das melhores cozinhas de Buzios, Penedo, Mauá, Itaipava, Correas, Araras, além de semanalmente estar nas páginas do Globo. Esse ano, foi contratado para ser o fotógrafo oficial da primeira edição carioca do Comida di Buteco. Outra experiência, segundo Rossi, deliciosa. Literalmente (créditos das fotos:7919 – Bar do Zé, Polvo ao molho de ostras e favas, Degusta Búzios 2007, Orla Bardot e8166 e 8170 – Bistrô Voltaire, Patinhas de caranguejo com Salada Tropical, Degusta Búzios 2007, Orla Bardot.

 

Ricardo Bhering é outro profissional que vem se especializando nesse tipo de fotografia. Bate ponto aqui na EatinOut e é autor de uma das capas mais bonitas que tenho visto ultimamente.


Mas nesses dez anos de jornalismo gastrômico, os fotógrafos Guto Costa, Fábio Seixo, Leonardo Aversa e Camilla Maia garantiram as muitas páginas de comida primeiro no Jornal da Família, depois no Rio Show. Se for folhear as centenas de matérias que assinei (Ana Cristina Reis, hoje editora do ELA, também) ao longo desses anos, lá estará o quarteto. Guto e Fábio deixaram o jornal, mas volta e meia fazem “frilas”, caso do Fábio Seixo, que assinou as duas edições especiais da revista RioShow de gastronomia com suas fotos deslumbrantes. Camilla e eu praticamente começamos juntas na área. A gastronomia (não mais culinária) engatinhava na cidade e começava a conquistar espaços no jornal.


Fábio Seixo: jogo de luz com os peixes no Satyricon

Até chegar as quatro páginas atuais. Fizemos ótimas dobradinhas (foto e texto, que fique claro, já que a câmera não é o meu prato predileto). Camilla é clean no que faz. Nada de muitos elementos; ” Foto de comida para virar despacho de macumba é um pulo” avisa ela, com seu humor rascante usual. Suas fotos são inconfundíveis, conheço de longe. mesmo em fotos de divulgação, que por algum deslize, chegue sem crédito. Não titubeio. Se tiver então um simples garfinho apoiado no prato, não tem erro: é da Camilla Maia. “Nem sempre um prato é bonito e maravilhoso. Já fotografei coisas horríveis. E é aí que está o desafio. Talvez um detalhe salve a foto. Ou não “(qual que vc vai dar? me fala preu detalhar no texto).

 

Guto Costa (também conhecido por Gato Costa), hoje com estúdio e, independente, divide-se entre fotos de shows, capas de cds e cliques deliciosos. Para ele, o ponto crucial de uma foto de comida é a luz. “Um prato pode chegar lindo, mas uma iluminação errada acaba com tudo. Pode ficar indigesto”. Para ele, os pratos mais simples são os maiores desafios de um fotografo de comida. ” O arroz com feijão, acreditem, é complicadíssimo. Carne também, porque é escura e feiosa. Mas nada que uma boa luz não salve”

 

Fábio Seixo também acha a luz fundamental, seja para o que for fotografado, especialmente pratos. Leva sempre a sua entre os equipamentos. E lentes macro. ” A composição da foto também conta. É preciso ser sutil, elegante, ter bom gosto. É como uma receita de um prato: uma pitada de sal a mais, pode botar tudo a perder”, avisa Seixo, há 13 anos um mestre em clicks deliciosos, que assim como todos aqui mencionados (e tantos outros bambas que mereciam constar desse cardápío) nos fazem comer com os olhos, salivar de prazer e que nos levam a restaurantes como o da Flávia Quaresma de revista em punho, “querendo um igualzinho ao da foto”.

 

A segunda foto de Pagano para a campanha em Pernambuco

 

 


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