O design da Páscoa

[15 abr 2014 | Pedro Mello e Souza | Um comentário ]

O design da Páscoa

Os artesãos por trás do lado contemporâneo dos ovos de Páscoa.

 

Ovos de Páscoa da Armani, no design do ano passado...

Foi-se o tempo em que a criançada aguardava ansiosamente pela caça aos ovos de Páscoa, que aconteciam entre os móveis de casa ou os recantos do jardim. E foi-se também o tempo em que essa criançada ainda tinha algo a ver com a doce atividade. Hoje, os ovos de chocolate podem ser encontrados em outro cenário: o das pranchetas de designers e de alguns dos mestres confeiteiros mais badalados do mundo. De Armani a Ducasse, a Páscoa passa hoje por um processo criativo que se ainda tem algo de lúdico, passou a ser referência em design – e em negócios no mercado do luxo.

 

... e no desse ano. A criançada ficou de fora.

Os grandes nomes das cozinhas nunca abdicaram das grandiosidade dos ovos de Páscoa, de seus belos desenhos, de seus chocolates finos e de seus recheios milionários. Mas o design contemporâneo deu novo traço à iguaria e voltaram à evidência. Com os catalães, naturalmente. A influência de Ferran Adrià – e de Mirò, e de Dali, e de Picasso – chegou a chocolatiers como Enric Rovira e Oriol Belaguer, que deram a formação e a deformação do surrealismo aos ovos de Páscoa. Hoje, suas criação são aguardadas com o mesmo suspense da nova linha da Lamborghini. Ou da mais recente coleção de um Armani.


O loop no design de Alain Ducasse

Falamos em Armani? A própria marca faz parte dessa caça ao chocolate. Anualmente, as suas criações para a Páscoa, dentro da linha Dolci da grife italiana, são divulgados em janeiro e chegam às lojas flagship da marca já em meados de fevereiro – e ficam em exposição até maio. Em destaque, um pacote chique como se espera, o chocolate finérrimo e o acabamento com o objeto maior de desejo: um gigantesco monograma “A”, ícone da grife, que sacia qualquer paladar pelo luxo. E não adianta perguntar: eles não divulgam preço.


Les Trésors - tesouros explícitos da Hédiard

Mas a criatividade não se esgota na forma simples do ovo. A mudança de conceitos chega invocando artes, histórias, geografias e até lendas insolúveis. É o caso dos ovos que o confeiteiro parisiense Jacques Génin desenvolveu, invocando não a data, mas a Ilha de Páscoa. As peças, espetaculares, são baseadas nos moais, as estátuas gigantes, que olham para o infinito, gerando ansiedades existenciais na humanidade que só o chocolate pode sanar. Da arte, veio a peça “Ceci n’est pas um oeuf” (“Isso não é um ovo”), inspirado no surrealismo do pintor René Magritte, que todos os anos ganha uma versão diferente, desde que tornou-se sucesso com a série de vitrines da rede de lojas Jadis et Gourmande, em 2012.

 

Ceci n'est pas un oeuf: procura por Magritte, da Jadis et Gourmande

Mas a culpa não é da verve inventiva dos chefs contemporâneos. Na realidade, todo fascínio pelos ovos de Páscoa tiveram a sua época áurea nos tempos dos czares, quando as Rússias se uniam para bancar o sorriso de Maria Fiodorovna, mulher de Nicolau III. No pivô de toda essa história fofa estava o talento de Pierre-Karl Fabergé, um russo de nome francês e origem dinamarquesa. Ele, que era ourives, fazia ovos de Páscoa preparados não com chocolate, mas com ingredientes ainda mais saborosos: ouro, prata, marfim, diamantes. O império caiu, mas Fabergé, não. E, hoje, tal como as peças da realeza, são objetos de arte dignos de destaques em museus como o Louvre.

La Mère de Famille e o Diodonus chocolatus

Na realidade, Fabergé apenas cobriu com traços finos e metais pesados aquilo que já era uma tradição de milênios, a de decorar ovos de Páscoa, em um rito bem pagão de fertilidade, um dos raros que as patrulhas religiosas não conseguiram proibir. Do Egito ao norte da Europa, o ovo era símbolo do ressurgimento que aquela época, nos meses de abril, chegavam com as primeiras colheitas e, com o aquecimento, as galinhas voltavam a por ovos regularmente – no Hemisfério Norte, a Páscoa acontece na primavera. As cascas dos ovos eram pintadas com motivos decorativos, em exercício familiar em que todos participavam e, muitas vezes, o estilo dos desenhos funcionavam como uma assinatura de estilo.

Um toque de Yayoi Kusama no ovo de Páscoa de Pierre Hermé

Para quem tem apego pela tradição, nem tudo está perdido. O velho formato dos ovos de Páscoa ainda são os favoritos dos grandes chefs. Há Pierre Hermé, que derrama sua calda criativa em ovos que podem remeter à obra de Fabergé ou ganhar um belo acabamento em pois, em um estilo que lembra o de Yayoi Kusama. Há o olho mítico no centro da peça de Armand Demodel. Há o olhar para a natureza, da marca À La Mère de Famille, que se inspirou na forma recheada de um espinhoso baiacu. E há a visão sempre dinâmica de Alain Ducasse, com a beleza do seus ovos em forma de hemisférios em rotação, que mostram o vigor desse mercado, que, por muito tempo, ainda estará girando como antigamente.

A Páscoa literal de Pierre Génin

 

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Depoimentos

  1. vanda klabin disse:

    excelente post, revela a páscoa unida na área gastronomica com a esfera da arte