O lado moderno dos brancos de Portugal

[28 set 2015 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

 

“Seriam os vinhos portugueses os mais excitantes do planeta, na atualidade?” Quem lançou essa questão foi o crítico americano Matt Kramer, um dos mais antigos colunistas da revista Wine Spectator. Entusiasmado com as degustações que fez recentemente, tomou uma decisão extrema: ele, que tinha ido ao país apenas duas vezes em quatro décadas, como crítico, radicalizou e vai morar no Porto, para ficar mais próximo de um dos motivos de seu interesse especial: os vinhos brancos, que julgou “surprisingly compelling”.

 

Kramer pretende ficar três meses em Portugal. Pode ser pouco tempo para o número de surpresas que terá, especialmente nos vinhos brancos que o intrigaram, pois em todas as regiões tradicionais, é o tipo que tem brilhado com frescores, texturas e aromas. É o reflexo de calores, da aposta em uvas originais, como o encruzado, das novas denominações como as de Lisboa, da modernidade que ele mesmo citou, especialmente para os brancos do Douro, do Alentejo e dos Vinhos Verdes. Enfim, um leque de opções que, seguindo o roteiro de vinhos brancos modernos abaixo, frescos ou doces, convencerão qualquer Mr. Kramer a ficar em Portugal bem mais do que três meses.

 

Esporão 2 Castas e a marca de três denominações de brancos fascinantes: as águas do novo Tejo refletidas no moderno Alentejo, na varanda da Bica do Sapato, em Lisboa (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 

OS BRANCOS DO DOURO


Ou seriam os brincos do Douro? Sim, joias nos aromas, no estalo da língua, na profundidade e na diversidade dos paladares de vinhos de uma região em que mandam os tintos mas brilham cada vez mais os brancos. E não são os portos brancos secos, mas os vinhos de mesa, dito “tranquilos”. Há exemplos bem nítidos dessa evolução, realizada sobre uvas sérias mas de nomes divertidos, como rabigato e viosinho. Um deles é o de Sophia Bergqvist, com seu romântico Quinta de La Rosa. Longo, suave, elegante, com um nariz que, fechando um olho, remete até àquele pão torrado dos champanhes. Outro exemplo vem da Quinta Casa Amarela, com sua estrutura bem nobre de um ingrediente extra, a malvasia fina. Nos rótulos, ambos adoráveis como o conteúdo, as rosas que batizam as vinhas do primeiro e uma simpática joaninha, que protege a plantação contra as pragas, no segundo.



Niepoort Redoma: passado e futuro da casa de portos, com um branco espetacular, que José Avillez serve no Belcanto (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 

VIBRAÇÃO NO ALENTEJO


São cada vez mais frescos e alegres, mas sem perder a ternura jamais. São a resposta ao calor da região, com reações bem humoradas, fenômenos nem tanto, solo e secas, especialmente. Arinto e o fidalgo antão vaz lembram antigos produtores que já lutavam para que os vinhos brancos do Alentejo fossem além da fama gentil dos “branquinhos da Vidigueira”. A raça daqueles produtores está na vibração dos vinhos de pouca ou nenhuma madeira, reconhecidos pelos aromas cítricos e uma acidez que enche a boca – “coisa de vinho guloso”, como dizem os enólogos, em comparação bem divertida, como as que se ouve em herdades como as do Esporão, do Rocim e do Perdigão. Ou na espetacular Quinta do Quetzal. Tudo isso é resultado de uma experiência que se aplica, agora, em uvas estrangeiras, como a viognier e a riesling dos brancos da Herdade do Arrepiado Velho. Nosso crítico falou em “compelling”? Não perde por esperar. E nem começamos a falar em Pera Manca…

 

Antão vaz: uva vibrante no moderno Alentejo que há por trás de rótulos como o Herdade do Perdigão (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 

A NOVA BAIRRADA


Se o crítico Matt Kramer conhece bem a sua colega Jancis Robinson, a grande dama do vinho e de sua literatura, saberá o entusiasmo que ele tem pelos vinhos brancos da moderna Bairrada. Algumas das melhores cotações que ela confere no gênero é para os rótulos de Filipa Pato, como o Nossa Calcáreo, que nos chega pela Casa Flora. Elegantes e próprios para experiências além dos peixes – vitelas, plumas de porco -, são produzidos com uvas bical, em terrenos que a própria Filipa chama de “Puligny da Bairrada”, em que a fruta manda mais do que a vinificação. “Fazemos vinhos autênticos, com muito pouca interferência, para que sejam autênticos, sem nenhuma maquiagem”, comenta a produtora.


Nossa Calcario e a tradução da nova Bairrada por Filipa Pato (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

O DÃO DO ENCRUZADO


É a uva da moda em Portugal e a ponta de lança dos brancos modernos da região do Dão, sempre associados à clássica malvasia fina, sob a liderança de nomes como os de Julia Kemper, uma das mais bem cotadas pela crítica internacional no estilo, pelas flores do nariz e pelos minerais na boca. E já está no Brasil. “É a casta representativa daquele momento na região, mas requer cuidados”, avisa Cristiana Beltrão, uma das primeiras a apostar no tipo, em sua carta, no restaurante Bazzar. “Se for mal vinificada, parece morta, pálida, inexpressiva. Quando nas mãos de um produtor competente, mostra seus aromas de frutas brancas e um toque cítrico e resinoso que remete à linhaça e uma bela acidez, que confere sua estrutura interessantíssima”, cita ela, sem esconder a sua preferência pela Quinta dos Roques.


Bairrada: Quinta dos Roques Encruzado 2010 (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 

A DESCOBERTA DE LISBOA


Para os que ainda não sabem, Lisboa é a nova denominação dos antigos vinhos da Estremadura. Ali mesmo, em torno da capital, a minutos da cidade, perto do aeroporto ou ao longo do litoral até o Cabo da Roca, uma série de pequenas denominações ganharam rótulos – e produtos – bem mais modernos. Na área dos brancos, um deles com a marca lusa do frescor, vem de Bucelas, tão próximo deles quanto o Recreio dos Bandeirantes é do Centro. Era uma região de vinhos licorosos. Hoje, de um vinho leve, próprio para o nosso calor. O rótulo Bucellas Caves Velhas, que a Barrinhas traz, é pura uva arinto, que chega a dar aquela suadinha no copo. E é perfeita para aplacar nosso calor e valorizar ostras e mexilhões. Em estilo oposto, com a complexidade de uma uva como a riesling, atenção para rótulos como o Quinta de Santana, da área de Mafra.


De Mafra, uma das regiões da apelação Lisboa, o riesling da Quinta de Santana, servido durante a degustação do restaurante 100 Maneiras (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

ALVARINHOS & CIA.


A boa notícia para quem gosta de vinhos brancos vem da área dos vinhos verdes: aqueles antigões, de garrafão, alguns de pipa, ácidos além da tolerância, ligeiramente frisantes, estão dando lugar a rótulos modernos com uvas como a loureiro ou aquela que o nobre Pedro Silva Reis vê como a grande casta portuguesa, a alvarinho. Rótulos como o Soalheiro, Deu La Deu, Quinta do Regueiro, Muros de Melgaço e Quinta da Brejoeira abriram os caminhos do lado moderno desse vinho que é, por conspiração divina, a guarnição dos leitões do norte de Portugal.


Alvarinho Quinta do Regueiro 2012, da área de Monção e Melgaço (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

ALGARVE?

Sim, o Algarve, região quentíssima, inesperada, que ainda paga por antigas experiências, mas começa a investir em uma identidade moderna. “Eu moro na região há três décadas, mas há somente 7 anos que eu tomo vinhos daqui”. A declaração não é de nenhum leigo, que descobriu ao acaso o frescor dos novos vinhos desta área do sul de Portugal. É do alemão Erhard Braun, responsável pelo marketing da Quinta dos Vales, próxima de Portimão. Na falta de grandes uvas locais, adotam as do vizinho Alentejo (arinto e antão vaz), a bragã síria ou até a francesa viognier. É outro caso de vinhos de bela sensação mineral, onde proliferam, próximas dali, as ostras da Ria Formosa.

 

MOSCATÉIS

 

Nomes grandes e nobres como a Bacalhôa, familiares e veneráveis como a Horácio Simões estão entre as lideranças da modernização dos moscatéis da área de Setúbal. “Produzíamos vinhos doces, sem acidez, muitas vezes para mascarar defeitos, mas mudamos tudo isso”, diz Pedro Simões, o neto, responsável por vinhos gigantescos na boca aveludada, de aromas que vão das nozes aos figos secos, hoje com a acidez tão cobiçada, mas sempre com seu amarelo, brilhante como um topázio. Outra casta espetacular, o moscatel roxo vem dando trabalho a casas como a Quinta da Bacalhoa. O vinho que produzem com a uva é inesquecível, sem o traço de quem batalhou por uma fruta rara, complicada, de baixa produtividade, mas de altíssimo padrão.

 

MADEIRA

 

Outro vinho fortificado em que as uvas brancas enfrentam as tintas dos portos em belíssima briga. Falamos aqui de castas como a sercial ou a terrantez, que dão vinhos profundos, produzidos por casas como a Blandys. É a mesma que, hoje, investe em produtos mais modernos, como o Alvada, que chefs como o estrelado José Avillez apresentam com orgulho. Ali, entram uvas como a a bual e a malvasia, para um resultado generoso e rico em damascos secos.

 

OS ESPUMANTES


Duas palavras para definir os vinhos espumantes que refrescam os portugueses: bons e baratos. Vêm de regiões, preparados com uvas brancas e tintas, como prevêm os métodos clássicos. Mas com aromas bem típicos, como as frutas tropicais e os cítricos, que os tornam ainda mais refrescantes. Em praticamente todos os restaurantes de Lisboa, as refeições são abertas por rótulos como o Vértice, o Raposeira e o Murganheira, todos do Douro. Ou o Duet, de Luis Pato, e o 3B, da filha Filipa, da família da Bairrada. Da Herdade Grande, no Alentejo, tome nota do espumante à base de Arinto, bem fresco, intrigante, diferente, moderno.

 

 

 

 


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