Que c’est il passé au Saint-Germain-des-Pres?

[13 mar 2015 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Mesa de varanda do Cafe de Flore (Foto: Pedro Mello e Souza)

Um dia, os filósofos, antropólogos e pensadores estabelecerão a relação entre o existencialismo francês da década de 50 e o fervor das ordens beneditinas de 15 séculos de idade. Enquanto isso, o elo mais simpático entre as duas correntes históricas da literatura e da religião está nas mesas dos cafés em torno da abadia de Saint-Germain-des-Près. Em cada uma delas, o testemunho da explosão intelectual do início do século XX, onde se desenvolveram versos de Apollinaire, novelas de Camus e Hemingway, esboços de Picasso e as brigas – porrada mesmo – entre Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

 

Cada vez que venho a Paris, visito um deles. Dessa vez, fui direto para a esquina principal da região, na esquina de Saint-Germain com Rue Bonaparte, onde está o Café de Flore. Não estava cheio, como era de se esperar de uma quinta-feira à noite, mas o climão estava todo lá, com o mais original estilo “art deco”, de suas origens, em 1813. Ali, degusta-se um simples café ou um sofisticado “confit” de pato tal como no tempo em que se sentava ao lado de escritores como Ernest Hemingway, Albert Camus e André Gide e assistia-se ao inquieto e explosivo romance entre Beauvoir e Sartre. O caso entre os dois escritores e as discussões que comandavam em torno do existencialismo estão retratados no filme “Les Amants de Flore”, lançado em 2006.


Muros seculares sustentam o mito de St. Germain (Foto: Pedro Mello e Souza)

Mais adiante, quarteirão seguinte, no encontro do Boulevard Saint-Germain e Rue de Rennes, está o Deux Magots, que se denomina “café literaire”. E com razão. Desde 1873, quando abriu ali, transferido de algumas quadras adiante, recebia nomes como Verlaine, Rimbaud e Mallarmé. Sua vocação para ponto de encontro de escritores levou o café a estabelecer um prêmio literário, em 1933, iniciando uma tradição que dura até hoje. Na varanda ou no salão, algumas tradições do serviço também se mantêm, como o preparo de algumas especialidades na frente do cliente. É o caso do “chocolat à l’ancienne”, preparado à antiga, na frente do cliente, com o garçom a dissolver a pastilha de chocolate no leite quente.

 

Em frente ao Café de Flore, do outro lado do Boulevard Saint-Germain, está a Brasserie Lipp. Menos café, mais restaurante, o mesmo charme dos vizinhos e a mesma clientela histórica, de Proust a Chagall e outro casal histórico: Simone Signoret e Yves Montand. A cozinha guarda a influência alsaciana de seu primeiro proprietário, com especialidades da época da inauguração, em 1880, como o “choucroute garni” e os “pieds de porc” (pés de porco recheados). No ato da reserva, insista em ficar próximo à janela, onde é possível esbarrar com clientes como Harrison Ford ou Sharon Stone.

Deux Magots, o café literário (Foto: Pedro Mello e Souza)

Mas o que tudo isso tem a ver com as ordens beneditinas do século VI? Simples: nessa época, o bispo de uma Paris recém liberta dos romanos mandou erguer uma abadia nos prados a sudoeste da Île de La Cite, onde a pequena cidade ainda se concentrava. Destruída e reconstruída como igreja, a abadia beneditina foi consagrada ao bispo que a ergueu. Canonizado, o sacerdote é conhecido desde esta época como o São Germano dos Prados.

 

Ou, como preferimos, Saint Germain des Près – tema de um clássico da minha infância, interpretado pela cantora Nicoletta, quee batiza, com graça existencialista, esse depoimento saudosista.


Brasserie Lipp (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 


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