Acabei no Irajá

[5 out 2012 | Pedro Mello e Souza | 3 comentários ]

Chips de mandioca (FOTOS: Pedro Mello e Souza)

 

O correto seria “me acabei no Irajá”, mas o título é uma tentativa inata de resgatar – pela última vez, espero – a velha remissão de infância, em torno de Greta Garbo, que, quem diria, acabou no Irajá. Era uma antiga peça, em eterno cartaz no Teatro Glória. Hoje, o cenário é outro. Foram duas semanas tentando uma reserva no Irajá Gastrô. Bom sinal, indicador de economia aquecida (yeah, right!) ou, pelo menos de um interesse maior pela gastronomia de experimentação. Pedro Artagão gera esse interesse desde os tempos do MAM, quando ele, literalmente, quebrou um ovo (e o reinventou) para uma pauta que fiz sobre gemas.

 

 

 

 

A Adriana, mulher do Antonio Perico foi quem conseguiu a reserva. A casa encheu cedo naquela quarta e nosso disciplinado aplomb valeu nosso conforto e uma mesa com luz para as fotos – fazer reserva e chegar na hora: normas da mais nobre cidadania que os clientes ignoram, sofrem pelo descuido cultural e depois culpam o restaurante por ser civilizado, em cartas indignadíssimas para os jornais. Mas voltemos à pauta das reinvenções. No caso do Irajá, tornam-se algo entre a já manjada (duplo sentido) reconstrução e a readaptação, passando pelo reaproveitamento. No primeiro caso, a salada caprese; no segundo, o pato; o terceiro, o pão de queijo. Tríplice coroa.

 

Antes disso, um instante para duas tendências e duas realidades: os couverts não são fundamentais (veio um pão caseiro, inebriante, mais por insistência – chips de mandioca com grana padano e manteiga de garrafa, viciantes, vieram como amuse bouches). E os tartares estão ficando cada vez mais consistentes. Veio o de atum com coelhada seca e azeite. Arrematando a apresentação, um belo pontilhado de teriyaki ao limão e assinatura do paladar, uma tira de abobrinha assada.

 

Tartare de atum: riqueza na textura e surpresa com a abobrinha

A salada caprese chegou com tomates-cereja assados lentamente, britos de manjericão e um molho delicadíssimo de mozarela fresca. O prato pedia colher. O que fez toda a diferença foi uma farofinha de croutons – pan grattato, segundo Pedro -, que deu uma estrutura espetacular à experiência.  A brincadeira do reaproveitamento também veio na entrada: era um pão de queijo, no melhor estilo fofo de uma gougère. Levou empanada de tapioca e fritura leve. Foi servido com saladinha orgânica e um coulis de damasco.

 

Caprese descontruída: atenção para o conjunto e a liga do pan grattato

Outra bela experiência veio com apelido: galinheiro completo. Era uma gema  servida em cocotte estilizada e cercada de camadas de curau e canjiquinha de milho. Fundamento do tempero veio com uma redução de caldo de frango. Provada à parte, essa redução é salgada. Misturada ao conjunto (faltou essa instrução), levantou todos os ingredientes. Inclusive o próprio frango do caldo.

 

Galinheiro completo: gema, frango e milho

A leveza no paladar já tinha vindo com a caprese, o tartare e a gema. Mas subiu em outro patamar com mais uma simplicidade culinária: o nhoque (simplicidade nada- vai tentar fazer um nhoque com aquela maciez). Na guarnição, vieiras grelhadas, mas seladas de um só lado para manter a textura do outro. Veludo puro na boca, no nariz e na cobertura de alho poró. Tomei cerveja, mas um riesling faria bonito com todos os pratos. Inclusive com a gema, se a acidez contribuísse.

 

Nhoque com vieiras: textura da massa, das vieiras e do alho poró

A barriga de porco pode ser uma espécie de calcanhar de aquiles para quem gerencia um restaurante. Como sugerir uma generosa fatia de toucinho a uma geração que começa a tremer o olho com a menção de algo próximo do que possa vir a ser gordura? Me lembrou O Jehovah, do Monty Python. Na Europa, evoluída que é na cultura gastronômica, ninguém teme (ou treme). Mas, aqui, não posso culpar o Pedro pela denominação altarnativa de pancetta. É mais simpática e vendedora, especialmente quando é prepara da lentamente, a 55 graus, no sous-vide, , para o serviço com um belíssimo feijão tropeiro e cubinhos de ovo mexido.

 

Barriga de porco e a diplomacia da pancetta

O capítulo das carnes encerrou-se com uma ave. O pato seria o novo bacalhau? É carne? Por mim, é. Por Artagão, também, inclusive pelo corte da gordura do magret, que foi à grelha e repousou sobre a sua versão de arroz de pato (homenagem aos convivas), com direito a um torresminho do peito e uma montagem de foie gras, algo entre um parfait e um sorbet.

 

Traio de pato: magret, arroz e parfait

 

Não me lembro quanto custou, não foi barato, mas foi justo – ainda não me disciplinei a guardar a nota e a mostrar a fatura do cartão aqui, como convém ao bom crítico. Mas o que fiz aqui não foi crítica, convenhamos. Apenas observações e considerações sobre o que provamos, inclusive uma das sobremesas, que me lembrou a que o Robuchon mantém há anos em seu Atelier, em Paris: uma mousse de maracujá com nuvem de manga.

 

Mousse de maracujá: idéia do nível do Robuchon

E também sobre outros detalhes como o “pato x 3”, nome do prato que me remeteu à “avelã ao cubo”, de José Avillez.  Se a inspiração veio daí, muito bom – o cara está antenado. Se não veio, melhor ainda – nosso Pedro é e sempre foi criativo e cuidadoso com as crias. A propósito, ele está esperando seu primeiro filho. Isso vale festa com direito a bolo de chocolate, no fim (vale um post especial por causa de uma carta patética enviada por um cliente aos jornais. Não entendi por que foi escrita. Nem por que foi publicada).

 


 

 

 

 

IRAJÁ GASTRÔ

Rua Conde de Irajá 109

Botafogo

Rio de Janeiro

Tel.: (+55 21) 2246-1395

www.irajagastro.com.br

 

 


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Depoimentos

  1. Gentem! fiquei com água na boca… Que coisa! Vou ter que ir lá!

  2. Livia Bravin disse:

    Delícia, quero muito conhecer, mas nem sempre lembro de ir! Ótima sugestão!

  3. Isabella Söhnchen disse:

    Adorei as observações, descrições, alusões e a citação à carta patética. O que foi aquilo?
    beijo, Pedro, é prazeroso ler ¨talheres, cheguei¨!!