Merano: nosso paraíso?

[1 jan 2013 | Pedro Mello e Souza | Um comentário ]

 

FESTIVAL DE MERANO

Um brinde em alto estilo

Paraíso do vinho e da gastronomia? Ele existe.

 

Bruna Talarico

 

Salão principal do evento(FOTOS: Bruna Talarico)

Imagine ir, em pouco mais de dez passos, de um poderoso Château Lafite Rothschild para um premiado queijo artesanal com o selo De Magi. Ou, então, participar de degustações verticais de rótulos consagrados, como os italianos Masseto e Amarone Dal Forno – não sem antes, claro, bater ponto nas provas dos mais emblemáticos vinhos de vinte e seis históricos châteaux da Union des Grands Crus de Bordeaux. Agora, imagine que tudo isso acontece em um palacete icônico do estilo art nouveau, em um idílico e aprazível vale no extremo nordeste italiano, longe de grandes centros urbanos e da aglomeração que macula badaladas feiras do vinho, a exemplo da Vinexpo e da Vinitaly. Este paraíso existe, e faz tempo: criado em 1992, há exatos vinte anos, o Merano Wine Festival se mantém até hoje como um dos melhores e mais exclusivos eventos de vinho da Europa. A Eating Out conferiu a última edição, em 2011, para apresentar, com exclusividade, este universo. E avisamos: de 9 a 12 de novembro acontece a próxima edição. Vai perder?

 

Vinhos Scala Fenicia Capri D.O.C.

São 1200 rótulos representados por 300 vinícolas italianas e outras 120 estrangeiras, numa área de procedência que se estende da Bulgária até a Nova Zelândia, passando pela França, Áustria, Alemanha, Croácia, Eslovênia, Espanha, África do Sul e Estados Unidos. Para harmonizar, 500 iguarias diversas estarão expostas pelos pavilhões do Kurhaus, o Centro de Convenções de Merano, localidade de Bolzano. “Todos os anos, os dez membros da comissão avaliadora do festival provam mais de 5000 diferentes rótulos e apenas os melhores são selecionados. A avaliação leva em conta o sistema internacional dos 100 pontos: um vinho deve ser avaliado com pelo menos 86 pontos para ser admitido na curadoria. Após esta primeira sessão de degustação de todos os vinhos-candidatos, nós promovemos uma segunda degustação, definitiva, para selecionar apenas a nata. O mesmo rigor vale para os produtos gastronômicos. O festival só é exclusivo pela altíssima qualidade dos produtores”, defende Helmuth Koecher, um dos fundadores do MWF e presidente desde sua criação.

 

Frios cortados na hora, na Antica Nera Parmigiana

A cada ano, apenas cerca de 5 mil visitantes têm o privilégio de conferir o resultado da criteriosa curadoria – o número limitado de participantes entre público e expositores, inclusive, é o responsável por uma concorrida aquisição de passes ainda em setembro, dois meses antes do festival, quando têm início a pré-venda (até o fechamento desta edição, ainda era possível adquirir tíquetes para a grande festa, com custo estimado, para os quatro dias de evento,em cerca de 200 euros). Pioneiro no reconhecimento dos vinhos biodinâmicos, que ganham o primeiro dia do festival em sua homenaem, o festival também gerou burburinho quando, há alguns anos, sugeriu que vinhos deveriam ser produzidos com menos álcool. O assunto ganhou as manchetes da mídia especializada e se manteve por um bom tempo na pauta de produtores internacionais da bebida.

 

Vinho Raffa Passerina, na galeria dos biodinâmicos

O dia de um enófilo começa cedo no Merano Wine Festival: às 10h já é possível ingressar nos suntuosos salões, tomados por mesas que fazem as vezes de vitrine, ostentando garrafas e mostruários do terroir de cada produtor. Em posse de uma taça alugada no início por não mais que 15 euros, o bravo degustador vai de mesa em mesa avaliando qual dos mais de mil rótulos vale a pena experimentar. São pelo menos dez salas – que incluem o Kursaal, majestoso com seu pé direito altíssimo – em que se distribuem exibidores, aulas de gastronomia, e apresentações pontuais de parceiros do festival, como marcas de taças, decanters e outros acesórios. Tudo acontece simultaneamente, e vale a pena estudar o cronograma com antecedência para planejar as visitas. O leitor logo irá perceber que é impossível conhecer tudo, ainda que em quatro dias. Mas, vale ressaltar, a ignorância nunca terá sido tão bem-vinda: o Merano Wine Festival é daqueles eventos que merecem mais de uma edição na vida do apreciador.

 

Battuta di carne, uma das iguarias em exposição em Merano

MERANO: UM OÁSIS CULTURAL E GASTRONÔMICO

 

O austríaco Stefan Zweig, que na década de 40 se refugiaria do regime nacional-socialista em Petrópolis, região serrana do Rio, escreveu em 1910 que “Merano é linda além da imaginação; podendo ser superada, talvez, apenas pela própria Merano na primavera em flor”. Conhecida como a pérola dos Alpes, a cidade que encantou Zweig no século XX já havia disseminado seu fascínio entre os mais distintos públicos. No início do século XIX, os primeiros turistas descobriram a bacia meranesa, cujo inverno de clima seco era indicado por médicos como curativo para males mortais, como a tuberculose.

 

Merano, o paraíso cantado por Stefan Zweig

Merano se consolidava, assim, como uma das mais renomadas cidades de cura de toda a Europa – posto que mantém até hoje, tendo em vista hotéis especificamente destinados a este fim, refúgio de estrelas do entretenimento e do esporte. Mas foi pouco antes disso, na Europa dos oitocentos, graças a predileção da imperatriz Elizabeth d`Austria, popularmente conhecida como Sissi e eternizada na trilogia protagonizada por Romy Schneider, pela cidade, que Merano entrou definitivamente no mapa europeu. Foi a turista aristocrata, afinal, a responsável por dois belos e turísticos passeios às margens do rio Passírio – a Passegiata d`Estate (de verão) passou a ocupar, estrategicamente, a margem mais arborizada, um refresco para os dias mais quentes, e a Passegiata d`Inverno (de inverno), a com maior incidência de raios solares.

 

Strudel, especialidade da região, a parte sul do Tirol

Na gastronomia, há muito o que destacar: Bolzano, o município que abarca Merano, ocupa uma área de cerca de 53 quilômetros quadrados. É neste espaço que estão instalados dezenove restaurantes que somam vinte e duas estrelas Michelin. Em Merano, o expoente da classe é o Sissi, que providencialmente homenageia a imperatriz-ícone. Comandada pelo chef Andrea Fenoglio, a casa serve alta gastronomia com alguns toques moleculares (a pizza líquida, uma das atrações de seu menu degustação, é imperdível). Pirotecnias de lado, o amplo cardápio meranês reserva alguns itens de prova obrigatória: o delicado speck, um presunto cru levemente defumado de denominação de origem protegida; as maçãs, razão pela qual Merano é comummente creditada como a capital mundial do strudel (fazem sucesso os do Café König) e pela qual pululam nos cardápios densos sucos feitos com a fruta (a cervejaria Forst, defronte ao Kurhaus, serve a bebida em enormes tulipas de cerveja); e os vinhos locais, um capítulo a parte. São exemplos honrados os tintos produzidos da variedade Schiava, ou Meraner, conhecida como a uva curativa de Merano, e também o histórico vinho autóctono Lagrein, que origina bebidas encorpadas e aromáticas; entre os brancos, graças ao clima e à constante exposição, têm tradição as uvas Sauvignon e Gewürztraminer. Como é possível perceber, impossível não brindar em Merano. E a Merano.

 

Vinho Pignoletto Frizzante

O QUE DISSERAM SOBRE O FESTIVAL:

 

“Merano e o Alto Adige constituem, desde sempre, um dos paraísos da alta gastronomia e da alta qualidade dos produtores de vinho – são comparáveis a Costa Amalfitana e o Piemonte. No geral, tem-se a impressão de que tudo o que diz respeito a gastronomia acontece na Itália, mas é raro encontrar um evento tão organizado e bem feito como o Merano Wine Festival” – Nicola Massa, consultor de enologia e comentarista de vinhos pelo Gambero Rosso e de restaurantes e gastronomia pelo Idenititá Golose.

 

Queijos da área de Merano - e de toda a Itália

“No Vinitaly ou no Vinexpo os espaços são muitos grandes, com muitos rótulos que nem sempre vale a pena se conhecer e com relativa perda de tempo. Já o Merano Wine Festival é um evento muito chique, fora do roteiro turístico tradicional. Em um espaço físico muito restrito você tem a possibilidade de encontrar muitos produtores de alta qualidade, e não somente italianos, além de conversar diretamente com os produtores. Mas vale a pena ir, pelo menos uma vez na vida!” – Andrea Panzacchi, sommelier pela Associação Italiana de Sommelier e empresário gastronômico.

 

O supertoscano Duemani, cotação máxima no Gambero Rosso

“O festival traz à cidade um novo tipo de visitante, ampliando a clientela de spas que antes se resumiam a turistas originários da Europa Central e hoje se diversificam para outras regiões. Além disso, o Merano Wine Festival estendeu consideravelmente a estação que, antes, fazia de novembro um mês morto”, Josef Rohrer, jornalista e autor do livro Merano in Tasca (2011, Merano de Bolso, em livre tradução).

 

 


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Depoimentos

  1. Gostaria muito de receber informações sobre o festival do vinho em Merano Quero saber quando começa vender os ingressos
    Muito obrigada
    Eliana