NY: chefs estranhos e fotos reprimidas

[25 jan 2013 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Já pensou se grandes chefs americanos como Thomas Keller, Grant Achatz e Daniel Boulud começassem a tirar dos seus clientes aquilo que se tornou um dos maiores prazeres em seus restaurantes: compartilhar o momento? Por isso, é notícia grande demais para atitudes pequenas demais, o destaque que o New York Times está dando destaque para uma dupla de chefs de restaurantes de pouca capacidade, em Manhattan. A novidade, tratada como tendência: estão reprimindo os clientes que querem fazer fotos de seus pratos. A notícia saiu na edição de terça-feira do jornal e destaca a ação de dois chefs badalados. Um deles é o francês David Bouley. Ele não chega a proibir, mas começou a inibir de forma original: convida o fotógrafo a registrar o prato na saída da cozinha. Mas há mesmo tendência?

 

Me intrometo aqui para dizer que, no meu caso, a sanção seria ótima, pois a luz costuma ser muito melhor do que a cozinha. No de Boulay também, já que o espaço para os comensais está restrito a 18 lugares de um balcão apertado. “Tem gente que é discreta e usa equipamento profissional, sem flash, mas há quem suba na cadeira ou monte tripés para tirar fotos de cima”, repara o chef. “O problema é não permitir que isso vire um circo”.

 

Claude Colliot e equipe: trouxeram até rótulo de produto (FOTO Pedro Mello e Souza)

Oquei, chefe, mas a postura não é geral. Além disso, quantos daqueles clientes que ali estão não fazem os seus registros de forma digna, seja profissionalmente ou pela simples alegria de dividir a sua efeméride em seu blog ou, mais comum em Nova York, no Instagram? E se for para o TripAdvisor, que os proprietários tanto pedem como feedback?

 

Se citei meu caso, é porque é particular: trabalho com esses registros e tento fazê-lo da forma mais discreta possível. Já estive em restaurantes, como o Claude Colliot, em Paris, que me sugeriu mudar da minha mesa para uma com luz mais adequada. No Rico, em Zurique, a atendente tem até técnica para manter a garrafa ou o prato em posição para a foto com pouca luz. No Atelier, do Robuchon, os clientes do meu lado ofereceram ajuda. Um deles passou o email para que eu enviasse a foto. E só falei em restaurantes medalhados.

 

Alinea, em Chicago: três estrelas e fotos autorizadas na mesa e na cozinha (Foto Antonio Perico)

O outro chef badalado de NY, bem menos diligente é David Chang, do Momofuku Ko. Ele manda abordar o cliente no momento em que tira seu iPhone do bolso. E de forma não tão agradável, como disse uma cliente à repórter Helena Stapinski, que assina a matéria: “Me senti constrangida”, comenta a cliente, que não se identificou. “Foi na frente de todo mundo, mesmo sendo discreta, sem levantar ou acionar qualquer flash”. Em comum a Chang e a Bouley: o número pequeno de lugares: doze. Outro dado em comum a ambos: nenhum deles avisa isso no site ou em qualquer outra comunicação.

 

Entendo situações como as de Ko e Boulay: em espaços restritos, cotovelo com cotovelo, a situação pode mesmo se complicar do lado de um estranho mais espinhoso. A própria Roberta Sudbrack mostra sua irritação, mas com voz ainda baixa: “aqui é pra comer, não pra fotografar”, revelou a uma amiga. Exagero, talvez, pois as fotos da Roberta estão entre as mais atraentes das redes sociais e, em torno delas, o restaurante anuncia suas novidades. Detalhe: a principal mesa da chef é comunal.

 

Mas e quando a mesa é individual?

 

Quem passou por isso, em um caso único, foi uma conhecida restauratrice brasileira. Ela esteve na Minetta Tavern. Sentou-se à mesa com a família. Quando os pratos chegaram, ela retirou a câmera com que faz fotos espetaculares para seu blog. Foi proibida. Material recolhido, ela sacou seu moleskine para tomar notas, como faz há anos. E veio nova repressão, essa mais dura, impaciente: nem registrar suas impressões ela podia. “Primeiro, ele me perguntou se eu tinha alguma dúvida, mas de forma nada prestativa”, disse a restauratrice, acostumada a receber clientes e suas câmeras no seu restaurante. “E o atendente ainda arrematou, quase bufando: as descrições dos pratos estão todas em nosso site”.

 

E fica a pergunta: com tantas pessoas fotografando, às vezes todas em uma mesa, quem está atrapalhando quem?

 

Duplo autoretrato, d'après Cornelius Escher: é, chefs, quero ver como suas altezas vão sair dessa...

 


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