Perfil gastrô: Maria Betrão

[26 fev 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Maria Beltrão, no Le Bernardin, em Nova York (Foto: Luciano Saldanha)

Todos os dias, na hora em que começa o tema de abertura do programa Estúdio i, da Globonews, o espectador pode apostar: por trás do sorriso imenso da jornalista Maria Beltrão há uma memória tão profunda quanto saborosa de uma vida em que o paladar esteve presente de todas as formas: simples ou rebuscadas; na cozinha de casa ou na mesa de um restaurante medalhado. Ela nasceu nesse meio de recordações afetivas de um bom apetite, mesmo com o gosto simples mas culto do pai, o ex-ministro Hélio Beltrão, e da mãe, Maria, uma das maiores antropólogas do Brasil.

 

E da vanguarda da irmã, a restauratrice Cristiana Beltrão, dona dos restaurantes Bazzar. Mas Maria cozinha desde a infância e, até algum tempo, preparava pratos para os amigos. E viaja pelo mundo sempre com um objetivo na agenda: conhecer, explorar, sentir o paladar. O resultado se transforma em outra viagem, a das memórias, muitas, que tentamos resumir no que seria uma entrevista. Mas o repórter não precisou fazer nenhuma pergunta. Veio tudo em um bate-papo temperado pela emoção que colocou em cada episódio.

 

Salmonete no Belcanto, em Lisboa: com o chef José Avillez, o molecular aproximando mais o paladar (Foto: Pedro Mello e Souza)

O INÍCIO

Minha incursão na cozinha aconteceu bem cedo. Com 8 anos, adorava fazer bolo de banana, bolo de maçã com fatia em cima. Aos 15 anos, fiz a ceste inteira de Natal pra homenagear o meu pai, preparando um peru com a farofa dos miúdos. Fiquei nervosa. Queria fazer aquela homenagem e, mesmo com aquela função toda, não aceitei nenhuma interferência. Até entrar na TV Globo, cozinhava todos os fins de semana para os amigos. Tenho marcas na memória e na pele, que grudou uma vez naquela penela enorme de preparar paella. Mas fazia muitos doces, principalmente aqueles que estavam em um livro que só quem é da minha época vai lembrar: o Livro de Receitas da Vovó Donalda. Recentemente, comprei o da Emília para a minha filha Ana.

 

O CAFÉ DA MANHÃ

Acordo querendo penne. Não tem essa de café da manhã tradicional, a exemplo do meu tio, que tem quase 90 anos, e adora um breakfast que é um verdadeiro almoço. Vacilou uma vez em um vôo da Japan Airlines – tinha polvo, e tentáculo no café da manhã é meio forte demais. Mas essa generosidade matinal acabou cobrando um certo tributo. Foi com um daqueles cafés da manhã de Londres, que tem de um tudo. Comi tão bem no dia do teste de proeficiência de Cambridge que dei uma travada durante o exame.

 

Celler de Can Roca, visita recente (Divulgação)

MEMÓRIA NO PALADAR

A memória afetiva é a grande companheira do paladar. Meu pai tinha coleção de latinhas de ostras. Recentemente, comprei 15 delas em um ataque saudosista que acabou contaminando a mãe, a antropóloga Maria, que levou seis delas consigo. Outra memória é a dos pães com azeite, que lembram meu avô, e com tomate, que meu pai amava. E eu sou louca por azeite. Mas lembro também do tempo em que morei em Paris e ia a uma loja de queijos, uma fromagerie na île St.-Louis e adorava quando eu pedia um camembert e o dono perguntava tudo, com quem ia comer, com o que vinho ia acompanhar. Não era curiosidade – era carinho. Voltei lá há algum tempo e chorei. Ele estava lá, mas não se se me reconheceu. Acho que não. Por último, um presente do meu marido, Luciano Saldanha: uma garrafa de champanhe Pétrus da minha idade, que ele encontrou na adega de casa.

 

AS AVENTURAS

Na aventura gastronômica, vou no vôo cego com a minha irmã (a empresária Cristiana Beltrão), que me leva pela mão ou me recomenda, como foi no caso com o Avillez, em Lisboa. Foi maravilhoso, porque ele quebrou um pouco a minha implicância com os moleculares – mas foi ele que aproximou o meu paladar da técnica. Mas estou sempre super disposta e me divirto em qualquer restaurante, mesmo não curtindo tanto, como no caso do Celler de Can Roca. Mas gosto também de perseguir tradições, como a de ir a Viena para encontrar a origem do que chamamos de bife à milanesa – o wiener schnietzel. Inesquecível, simples, com uma salada de batatas e óleo de semente de abóbora.

 

Paris e as vieiras: memória, risos e lágrimas (Foto: Pedro Mello e Souza)

A RELAÇÃO COM OS RESTAURANTES

“Mãe, seus netos estão com fome” – essa é a isca para fazer acontecer de tudo, em qualquer lugar do mundo, não importa qual seja, se a minha mãe estiver do lado. A autoridade dela é tamanha que as coisas se materializam na nossa frente. Sou ela cada vez mais, inclusive nesse aspecto. Outra questão é a ansiedade diante da escolha do restaurante e até do cardápio, que eu ficava sem paciência de ler. Nesses casos, a fórmula é “Cris, onde eu vou?”

 

PREFERIDOS

A coquille St. Jacques de um restaurante de Paris, que o chef preparava com azeite e com um micro alho, picado muito fino. Chegava antes da casa abrir e o patron ficava bufando de ódio. Teve um dia que ele ficou com tanta raiva que nem cobrou a conta.

 

O PÃO COM TOMATE

Está pensando que fácil fazer um pão com tomate. Nada disso. Teve um especialista que me explicou a lógica de testarmos todos os ingredientes até ficar no ponto perfeito, não só do pão e do tomate, mas também do alho e do pimentão. Devo ter feito mais de um milhão deles até acertar o tempo de tostar o pão até que a superfície dele fique abrasivo o suficiente para que a gente “rale” cada um dos itens, em ordem específica.

 

 


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