Histórias de moqueca

[12 out 2012 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

A moqueca à baiana de Alejandra Faundez

Se o caminho da moqueca na história culinária é tortuosa, para o meu caso é ainda mais estranho: passa pela França, volta pelo Alentejo, passa por São Conrado e prossegue, claro, no Chile. Explico: a melhor moqueca que já experimentei foi em Paris. Cécile, dona de um hotel na Rue de Rennes, era fanática pelo Brasil. Ia trabalhar com a camisa amarela da seleção e fazia o samba ressoar em Montparnasse sempre que chegava um brasileiro – quase toda a sua ocupação dos quertos vinha do Brésil.

 

Em sua casa, a meio caminho entre Paris e Meaux, ela aperfeiçoou a receita, que preparava com artigos que contrabandeava – e servia com salada de mâche. Mas explico o caminho tortuoso que citei: se considerarmos a etimologia, a palavra moquém, jamais seria o ensopado, geralmente de frutos do mar, em base de leite de coco com azeite de dendê. Moquém é técnica ancestral de curtição de carnes em grelha sobre fogo ou brasas, que os índios brasileiros já dominavam tempos antes do Descobrimento.


Desconstrução na moqueca de ostra de Claudio Freitas, do Bazzar

A técnica de tempero antropológico, que atendia tanto o consumo imediato quanto o preparo de farinhas e de conserva de carnes e raízes, foi descrita por Hans Staden em seu livro “Duas Viagens ao Brasil” – o próprio Staden teria estado próximo de ser moqueado por seus captores, os tupinambás – escapou pela covardia: os índios só devoravam os corajosos.

 

Corajosa foi Moqueca, a bravíssima pointer de Nicola Massa. Arisca e aventureira em seus passeios, caiu em um buraco e perdeu-se por quase uma semana. Nicola convocou a vizinhança, o bairro, o mundo. Formou-se uma comunidade inteira na internet para encontrar aquela figurinha alegre, que sempre saúda, com pulos estabanados a chegada dos amigos na casa, sempre aberta aos amigos do bom gosto – e do gosto bom.

 

Moqueca com o Tio Lalas

Encontrada, ele é agora festejada com… uma moqueca! É minha próxima escala na iguaria, que ganha a assinatura de Noêmia, uma banqueteira que Nicola, chef, gourmet e crítico, adotou como a melhor dessas praias. Alegria, coisa e tal, mas fica o aviso: se essa menina some de novo, eu mesmo a preparo com dendê, com ou sem moquém. Não me esqueci de explicar a passagem da moqueca pelo Chile –  está na receita da chef Alejandra Faúndez, no post anterior, mostrada passo-a-passo no vídeo do Welcome Channel.

 

O Alentejo entra no dia em que duvidei que aquela figura que estava sentada no bar do Antiquarius era o Carlinhos Brown. O Abel, que atendia a área naquele dia, me garantiu que não só era ela, mas que ele só ia ao restaurante por causa da moqueca. Não duvidei, mas essa história da moqueca, eu quero ouvir da boca dele, como já ouvi a do Faustão, responsável pela receita, preparada com bacalhau fresco. As duas – e mais uma terceira: a moqueca de bacalhau lascado, do Antiquarius Grill – estarão no livro do Antiquarius, que, finalmente, vai sair.


No bacalhau lascado, a releitura da moqueca no Antiquarius Grill (FOTO Pedro Mello e Souza)

 

 


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