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[9 set 2012 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Chefes mostram orgulho e talento ao revelar sabores regionais e levar um Brasil ainda desconhecido à mesa..

(Matéria publicada faz algum tempo, na EatinOut)

 

Arroz vermelho (Foto: Carolina Amorim)

Do baru ao umbu, da araruta ao aratu, da juçara ao jatobá. E mais pequi e cagaita, cambuci e murici. Confuso com as rimas? Uma série de chefs brasileiros foram fundo nessa poesia e transformaram produtos brasileiros de nascença, mas de existência quase ignorada pela grande maioria do país, em ingredientes de uma culinária que começas a romper as fronteiras internas do país.

 

O fenômeno aconteceu duranre o Terra Madre, evento de eco-gastronomia que reuniu produtores artesanais de todo o país, que vieram de terras tão distintas quanto o Pantantal e o Oeste catarinense, a mítica Canudos e a faixa paulista da Serra do Mar. Em pauta, além de sabores, técnicas e degustações, os preceitos do Slow Food, entidade italiana que alcançou projeção mundial pelo resgate das relações entre agricultores e consumidores, que vem promovendo nos cinco continentes desde 1989.

 

Licuri pronto para ser extraído da noz (Foto: Carolina Amorim)

 

“Soberania local é um dos elementos de identificação de um povo. E a culinária é um dos itens fundamentais dessa soberania”, repete obstinadamente o italiano Carlo Petrini, presidente da Slow Food, quase como um mantra, todas as vezes em que toma a palavra. E faz sentido. O orgulho com que cada produtor apresentava seus frutos, suas farinhas, seus condimentos e suas sementes revelam a aproximação que o evento despertou desde a sua primeira edição, em 2007. “Por trás de cada iniciativa existe um desenvolvimento de auto-estima”, concluiu Petrini, no discurso que encerrou o evento.

 

Araruta: rara imagem da raiz, antes de se tornar uma farinha (Foto: Carolina Amorim)

Ação e degustação

 

Teoria e prática estiveram à prova durante o Terra Madre. Literalmente, aliás, como demonstraram os laboratórios de gosto e de análise sensorial e os workshops de gastronomia do evento. Em um deles, o chef Francisco Ansiliero, do restaurante brasiliense Dom Francisco passou à platéia as dicas e técnicas de como aproveitar o paladar de três ícones do cerrado: o pequi, a cagaita e o murici. “Nosso objetivo é de indentificar e divulgar esses novos paladares através daquilo que proporcionam de melhor: os molhos”, explicou Ansiliero, um dos decanos da gastronomia brasileira. De fato, a audiência estranhou o paladar marcante das três frutas, suas consistências que iam do terroso ao cremoso e seus aromas, que lembravam o caju, o pêssego e a acerola, respectivamente.

 

Mas o grande momento gastronômico ficou por conta do jantar – um banquete para convidados, que reuniu os nomes mais badalados das cozinhas em torno do Planalto, como William Chen Yen, do restaurante Babel, que apresentou um talharim de pupunha com castanha-do-pará; Rosario Tressier, da Trattoria da Rosario, que trouxe um medalhão de jacaré com purê de mandioquinha; Alice Mesquita, do Alice Brasserie, que sugeriu um baião-de-dois com licuri e queijo de coalho; de Dudu Camargo, da casa do mesmo nome, com seu risoto de costela, e de Mara Alcamim, do Zuu a.Z a.Z, além do próprio Francisco Ansiliero, com seu frango com pequi. Entre cada prato, Rita Medeiros, do Sorbê, apresentou um sorbet diferente para sustentar a diversidade do evento, com direito a sabores como o cajuzinho do cerrado, a cajá-manga, o murici, a cagaita e a jabuticaba.

 

Umbu: fruta fresca, matriz de conserva para sucos e srovetes (Foto: Carolina Amorim)

Fortalezas

 

A solidez das relações diretas entre produtores e consumidores está entre os pontos mais promissores da atuação do Slow Food. Mas uma ação bem mais prática está mostrando resultados concretos. Batizada de “Fortalezas”, uma série de 118 projetos vem salvando dezenas de especialidades tradicionais, e das comunidades que as cultivam em todo o mundo, da extinção iminente.

 

No Brasil, é o caso do umbu, do arroz vermelho do Vale do Piancó, do palmito de juçara e do guaraná nativo dos Sateré-Mawé. São tutelas regionais que levam os produtores de volta ao mercado, excluídos que eram por desconfianças, preconceitos e os rigores das legislações. “São produtos resistentes, mas que estavam desaparecendo”, observou a produtora Maria Araújo Ferrer. Mostrando uma erudição extraordinária, ela desfilou os resultados das pesquisas da Universidade de Brasília, que mostram as vantagens do óleo de pequi como tônico e cicatrizante – e fechou sua performance ao declamar uma saborosa trama entre, deus, o diabo e o umbu, com direito a versos do poeta Patativa do Assaré.

 

Slow Food é isso aí.

 

 


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