Só a sálvia salva

[25 ago 2012 | Pedro Mello e Souza | 2 comentários ]

 

A tal explosão da gastronomia no Brasil – no Rio, especialmente -, não foi tão explosiva assim. Começou devagarinho, nas delis, que vendiam tudo o que a abertura dos portos às nações amigas permitia importar, em massa, no atacado, ainda sem grandes critérios: eram arenques da Islândia, patês de urso da Noruega, cervejas australianas e bolivianas (quem não se lembra da XXX e da Paceña?). E condimentos incomuns a nós, como a cúrcuma, o anis estrelado e a sálvia.

 

E a sálvia também estava na revolução – essa bem mais lenta – dos restaurantes. Estava em pratos que, para o brasileiro, esse aculturado, era a última palavra da sofisticação: a saltimbocca alla romana, um belo arranjo de escalopes preparados na manteiga e folhas da erva, que ornavam cada uma das peças de carne. No antigo Le Streghe, de Stephano Monti, em cima da boate Calígola, ainda vinha com três purês: batata, cenoura e espinafre.

 

Nos restaurantes, esse muro de berlim da mediocridade (não sejamos agressivos: da mesmice – era só picadinho, carne seca e filé à francesa) caiu pedra a pedra. Em São Paulo, há muito mais tempo, mas, faça-se justiça, fui sentir a sálvia do Danio Braga na mesma época em que provei a do Sérgio Arno, na primeira fase do Vecchia Cucina.  Foi deles que eu lembrei quando fiz a foto acima, em um restaurante no coração do Abruzzo, o La Bandiera, que vai ganhar post à parte.

 

 

Manteiga de sálvia, guarnição da ostra em crosta de sal, com mozarela de búfala, do Cracco

O trocadilho do título não é gratuito. No herbarium italiano, a sálvia salvava mesmo. Era a expressão que denominava a planta – “salvus” – que indica a importância desta parente do hortelã na farmacopéia medieval da Europa Mediterrânea, da Anatólia e do Levante. “Cur morietur homo cui salvia crescit in horto?”, lembrou Waverly Root, citando a Escola de Salerno. Da botica para a cozinha, suas folhas delicadas e alongadas, às vezes coberta de leve penugem, ganharam destaque nos receituários italianos, onde faz par romântico com a manteiga, na qual é delicadamente refogada para proporcionar molhos de aromas enternecedoras, na qual namora com o feijão branco em especialidades toscanas e e na qual convola suas núpcias internacionais, aí sim, com o ‘prociutto di Parma’ e o escalope de vitela em uma relação que o clássico que citamos aí em cima, a ‘saltimbocca.

 

O ‘fegato alla salvia’, o ‘tortellini al burro’ e o ‘arrosto alla salvia’ são outros exemplos de receitas com a erva que ganharam o mundo.  Hoje, exagera-se um pouco. Há sálvias em pizzas e até em coquetéis. Ou em lances de criatividade, na fritura que levou no cardápio do ano passado, do Cracco, em Milão. Na França, a sálvia serve a recheios de carnes de porco, vitela, patos, gansos e até peixes, e ainda perfuma o caldo provençal ‘aigo boulido’. O hábito inglês de produzir queijos aromatizados com sálvia, como no caso do ‘sage derby’ e do sage ‘lancashire’ de ocasiões especiais, chegou à América e, desde o início do século XVIII, o ‘vermont sage’ tornou-se um orgulho da Nova Inglaterra.

 

 


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Depoimentos

  1. Cris Beltrão disse:

    Nossa, essa foto ficou linda (a do La Bandiera)!