Raízes

[17 set 2011 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Creme de batata com bottarga e raízes, de Roberta Sudback (Foto descaradamente surrupiada do Instagram da chef)

UNDERGROUND

Místicas e encantos dos sabores do subsolo.

Pedro Mello e Souza

 

 

 

 

Para que a burguesia europeia do século XVIII aceitasse as raízes em sua rotina alimentar foi uma guerra. Ou várias guerras, como a que Napoleão venceu os austríacos ao se apoderar dos campos de batatas do norte da Itália. Ou ainda a que fez com que os irlandeses vencessem a fome com tubérculos, na falta de trigo.

 

A batalha em torno de tudo isso esteve no princípio medieval de que repasto dos nobres baseava-se em alimentos tidos como “etéreos”, especialmente as aves, tão próximas de Deus que estavam ao riscar os céus. Em contrapartida, os alimentos da terra, os rasteiros e os subterrâneos, eram destinados às castas tidas na época como inferiores. Eram, portanto, deixados aos servos e aos criados.

 

E de tão desprezados, não recaía sob a sua colheita qualquer tipo de imposto, permitindo que levasse a sua rica porção de carboidratos às sopas dos pobres menus da servidão.

 

Mas a consciência da alimentação, após a Revolução Industrial trouxe uma novidade para o panorama alimentar: o almoço. A seu reboque, a volta de um sistema de produção de carboidratos baratos – as raízes – e que cabiam no orçamento magro do trabalhador urbano. E que fornecia substituto saboroso para a carestia ou a escassez dos cereais.

 

Eram as batatas salvadoras, os nabos benfazejos, os alhos e as cebolas medicinais, as cenouras e suas variações de cores apetitosas, cuja fineza do paladar viriam a revelar o seu grau de nobreza com o culto da nouvelle cuisine. E a incentivar o uso de novas variedades de raízes, como resultado das pesquisas invocadas pela cozinha contemporânea e a sua busca pelas novidades para o paladar – e do toque de originalidade de seus chefes.

 

Daikon, cenouras, pastinacas e nabos negros, na seleção orgânica de Alain Passard (Divulgação)

 

 

O MUNDO DO SUBMUNDO:

 

Aipo-vermelho

Apium graveolens rapaceum

O mesmo que celeriac. Raiz de certa variedade de aipo cultivada especificamente para esse fim desde gregos, romanos e egípcios. Na Idade Média, já era cultivada em todo o Mediterrâneo rico em solo necessariamente salino.

 

Alho

Allium sativus

Mais polêmico de todos os frutos do subsolo mundial – e também o mais difundido – seu perfume como tempero só está ausente nas culinárias do Japão, de certas regiões da Toscana e de cardápios de certas correntes religiosas dos hindus. E sofreu o exílio da mesa de monarcas como Luís XIII, que condenava os hálitos impregnados a meses de afastamento da sua corte. E de Philip e Kate, porque são chiquérrimos. Mas é amuleto de quem quer afastar mau-olhado e de quem quer distância de vampiros. É citado na Bíblia (Números, 11:5), incensado por Plínio e apontado por alguns cientistas como panaceia contra algumas doenças cardíacas. O orgulho que os europeus têm de seus alhos já chegou às barras dos tribunais da União Europeia, que já protege seis denominações de origens de regiões da Espanha, Itália e França.

 

Altéia

Althea officinalis

O mesmo que ‘malva branca’, planta de cuja raiz extraía-se o material mucilaginoso para o preparo do ‘marshmallow’ original.

 

Araruta

Expressão de origem tupi – aru aru, farinha das farinhas – que dá conta da fineza deste produto, extraído da raiz de planta do mesmo nome

 

Bardana

Arctium lappa

Plantas silvestres aprecidadas pelo aroma que proporcionam suas raízes, principalmente no Japão, onde perfumam sopas ou integram sukiyakis ou tempuras, ou na China, onde aromatizam seus típicos cozidos de centro de mesa.

 

Batata

Solanum tuberosum

Insuspeito parente de tomates, tabaco e berinjelas, é o fruto do subsolo mais usado na gastronomia. É objeto de compêndios como os de Larry Zuckerman (“The potato”) e John Reader (“The Propitious Esculent”), que contam os primeiros seis mil anos de história culinária, política e econômica da batata. Os próximos milênios estão sendo escritos agora, através de variedades como a russet e a golden yukon, entre outras, que ganham nuanças de sabor e paladar similares aos das uvas para os vinhos.

 

Batata-baroa

Arracacia xanthorrhiza

Tubérculo que integra a raiz de planta da família do aipo, sem relação direta com a batata ou com a mandioca, a não ser pelo purê fino e adocicado que proporciona para doces ou, principalmente, para a guarnição de pratos salgados. É conhecida na América espanhola como arracacha e sua origem pode ser a Colômbia, hoje a maior produtora mundial do tubérculo, de onde veio para o Brasil no início do século XX.

 

Batata-doce

Ipomoea batatas

É a batata original levada em primeira mão por Cristóvão Colombo, a partir da ilha de St. Thomas. Já era uma das bases alimentares dos nativos de todo o novo continente e sua cultura espalhava-se por uma área que ia da Flórida até as regiões do rio Prata e as encostas dos Andes. Os próprios espanhóis se encarregaram de levar a batata-doce para a Ásia – a China, que colhe, hoje, 95% de toda a safra mundial do produto. O sabor levemente adocicado que ganha após o cozimento justificam-lhe tanto o adjetivo quanto a procura cada vez maior que vem tendo nas cozinhas fusion, principalmente pela delicadeza que confere a purês e sopas. Uma batata-doce contém cinco vezes a dose diária de vitamina A para um homem adulto, um terço de sua ração de vitamina C e teores cobiçados de elementos como cálcio, fósforo, magnésio e potássio.

 

Oro: cavaquinha com purê de beterraba (Foto: Alexander Landau)

Batata-roxa

Ipomoea batatas porphyrorhiza

Variedade de batata-doce de polpa muito roxa, muito usada em doces. Vem sendo badalada na Espanha e no sul da França, onde chegou recentemente e estabeleceu-se na composição decorativa de pratos de vanguarda.

 

Beterraba

Beta vulgaris

Um dos emblemas do solo europeu, é um ingrediente que ganhou popularidade durante as guerras napoleônicas, quando pesquisou-se o seu uso para o preparo de açúcar. Mas seu paladar adocicado já compunha a guarnição de carnes frias germânicas e sopas eslavas como o ‘borsch’. E seu teor de nutrientes já era reconhecido na época de Carlos Magno, que a incluiu, há mais de um milênio, no primeiro Codex Alimentarius da história, mas ainda na época em que era uma raiz magra, longe da que evoluiu para o bulbo escarlate que conhecemos hoje.

 

Biru-manso

Canna edulis

Planta amazônica cuja raiz fornece fécula semelhante à araruta, rica em proteínas e carboidratos.

 

Cará

Dioscorea batatas

Panaceia para os incidentes intestinais, é um tubérculo humilde e barato da família da taioba, que vem recuperando posições na gastronomia por ser uma guarnição secular de modismos como o ceviche.

 

Cará: guarnição da rabada, no Sawasdee (Foto: Thiago Sodré)

 

Cebola

Allium cepa

Ingrediente-chefe de praticamente todos refogados desse mundo desde os tempos pré-bíblicos. Está disponível em dezenas de variedades, algumas delas desenvolvidas para poupar o comensal do hálito devastador de seu consumo exagerado.

 

Chalota

Allium cepa aggregatum

Variedade nobre de cebola, menos agressiva – e menor, e mais adocicada – do que a matriz, que vem ganhando espaço no preparo de molhos finos. É a base preferencial de molhos da escola fina da alta gastronomia, como a do Cordon Bleu.

 

Chufa

Cyperus esculentus.

Planta de origem africana, cuja raiz, de paladar acocicado, gera balas e confeitos, além de seu suco, a festejada e refrescante horchata dos espanhóis. É usado em poucas cozinhas no mundo, embora seu uso remonte ao Egito Antigo, como demonstram restos da raiz encontrados em sarcófagos de faraós e dignatários, para uso na próxima vida.

 

Daikon

Raphanus sativus var. longipinnatus

Conhecido na culinária mundial como “nabo japonês”, é, na realidade, uma variedade de rabanete, mas longo como uma cenoura, branco como o nabo que sugere ser e crocante como convém

 

Galangal

Alpinia officinarum

Raiz asiática semelhante ao gengibre na aparência, no sabor e nas aplicações culinárias, embora seja bem mais picante. Todas essas características fazem do galangal – Houaiss registra galanga – um ingrediente fundamental na composição de molhos ou em refogados e frituras de praticamente toda a Indochina. Apesar de restrita a essas cozinhas asiáticas, era uma especiaria cobiçada na farmacopeia europeia.

 

Gengibre

Zingiber officinalis

Mais perfumado de todos os rizomas, escreveu histórias paralelas na culinária, uma no norte da Europa, especialmente na doçaria e na indústria de bebidas, outra na Ásia, onde transmite seu frescor a curries e a refogados de carnes e legumes.

 

Lairém

Calathea allouia

O mesmo que ‘ariá’, raiz similar à maranta, que integra a agricultura das Américas desde o período pré-colombiano e fornece rica dieta de carboidratos, quando cozida – os experimentados falam em um sabor semelhante ao do milho cozido – ou farinhas do tipo ‘araruta’.

 

Lótus

Nelumbo nucifera

Longa como uma abobrinha, é a raiz de certa planta aquática, que, ao ser fatiada, mostra-se furada como um queijo suíço – rastro das cavidades internas da sua estrutura. Pode ser cozida, refogada ou frita, Tem a consistência crocante como a de uma maçã e o sabor suave como o do coco e fama de afrodisíaco, fardo comum a todos os produtos incomuns. Menos decorativas, mas igualmente simbólicas, as raízes sem as cavidades fornecem um petisco mais liso, que leva ao comensal da mesa do Ano-Novo chinês, uma mensagem de integridade ou, melhor, de um ano sem “furos”.

 

Raiz de Lotus (Foto de Westwind, WikiCommons)

Mandioca

Manihot utilissima

Mais famosa das raízes do eixo Brasil-África Equatorial, onde é responsável pela alimentação de meio bilhão de pessoas, seja pelo custo baixo e as facilidades no cultivo, seja pela conservação simples e aplicação vasta na cozinha. Em todos esses lugares, a raiz é transformada em farinha ou pasta, sempre após o cozimento e a fermentação, que neutralizam o seu conteúdo tóxico. No Brasil, é a base de farofas ricas, petiscos fritos, purês e, após longo preparo, o tucupi. Nas Antilhas, é usada em guarnições como o ‘fungie’ e o ‘fufu’. Na América Latina, é usada como aperitivo, acompanhamento de carnes (‘banny’, ‘pan de yuca’) e ingrediente de cozidos e sopas, além de matriz de dezenas de variedades de farinhas, além de bebidas alcoólicas que os indígenas aprenderam a preparar. Apesar da origem e da aplicação humildes, o sabor adocicado e generoso da mandioca foi descoberto pelos novos cozinheiros, que a aplicam em uma série de massas e purês de grande sucesso em receitas inspiradas nas ‘nouvelles cuisines’ ou nas experiências ‘fusion’.

 

Mandioca: bolinho frito com bobó, no Carlota ( Foto: Fernando Pernambuco)

 

Mangarito

Xanthosoma mafaffa

Pequeno rizoma da família da taioba e da batata-baroa, cujo paladar suave, que para alguns remete ao das trufas, foi resgatado por chefes como Alex Atala e Roberta Sudbrack, tornando-se um dos modismos do ano passado. Mas é um ingrediente antigo, que era comum em roçados de fazendas e usado no preparo de purês e refogados.

 

Nabo

Brassica napus

Mais popular das raízes europeias até o século XVIII, quando a batata foi desmistificada e incorporada às dietas e à culinária. Mas mantém seu feudo na guarnição de nobre carnes ou embutidos, como no caso do ‘haggis’ escocês. Há mesmo quem os prepare com caramelo, como nos ‘navets de Pardailhan’, produzidos no Languedoc. No Oriente, o nabo é um dos legumes mais usados no preparo de conservas para o inverno, com variações chinesas e coreanas, entre elas o ‘kimchi’. O nabo cru é um dos elementos da decoração das cozinhas japonesas no Novo Mundo.

 

Papa lisa

Ullucus tuberosus

O mesmo que ulluquito, simpático tubérculo andino, que se cozinha inteiro, para proveito da maciez proporcionada pelo seu alto teor de água.

 

Pastinaca

Pastinaca sativa

Raiz semelhante à cenoura, mas de cor, consistência e aplicação culinária semelhantes à do nabo. É apreciada pelos europeus desde a Idade Média. Apesar da consistência macia, do sabor adocicado e da riqueza em ferro, potássio, vitamina C e ácido fólico, seu consumo está restrito a algumas regiões da Inglaterra, da França (especialmente na Gascogne), na Holanda, nos Açores e no Canadá, onde é usado em purês e sopas, com fórmulas muito semelhantes à do nabo, ou até servido frito.

 

Raiz-forte

Armoracia rusticana

Conserva picante da raiz da armorácia, planta europeia da família das mostardas e dos rabanetes, e cuja pungência faz jus à denominação. Ralada ou em conserva, integra uma série de molhos fortes para embutidos e carnes cozidas das mesas da Europa Oriental, especialmente no universo eslavo, onde são conhecidas como kren. É também um acompanhamento clássico da cozinha do sul da Alemanha e de sua área de influência na França – Alsácia e Lorena -, onde guarnece os ‘choucroutes garnis’ e fórmulas de carnes e salsichas cozidas. O sabor picante e o aroma penetrante da raiz forte, especialmente quando ralada ainda fresca, deve-se à liberação do isotiocianato de alilo, um óleo essencial de poder neurotransmissor, usado como inseticida, mas também estudado por suas propriedades no alívio de certos tipos de esclerose. Embora o objetivo à mesa seja similar, a raiz forte europeia tem pouca relação com o similar japonês, o wasabi.

 

Rabanete

Raphanus sativus

Crocante, suculenta, refrescante, é um raiz cilíndrica de cascas que vão do púrpura ao preto. Proporciona cortes decorativos para saladas, às quais leva ainda um toque picante, similar ao de outras plantas da sua família, como o agrião, a mostarda e a raiz forte.

 

Rabanete: solução criativa para o sashimi do Sushi Leblon (Foto: Rodrigo Azevedo)

 

Rutabaga

Brassica napus napobrassica

Planta de étimo sueco (‘rottabagge’) e parantesco com o nabo na linha botânica como no sabor e na consistência suave. É usado em guarnições de sopas, ensopados, purês ou cozido, simplesmente, para a guarnição de carnes.

 

Taroimo

タロイモ

Nos cardápios japoneses, diz-se do cará usado como legume ou como guarnição de sopas e caldos, quando ralado.

 

Taioba

Colocasia antiquorum

Raiz tuberosa de planta polinésia e do sudeste asiático, de folhas largas, conhecido nos círculos botânicos e decorativos como “orelha-de-elefante”. No Havaí, é a base do ‘poi’, sua receita nacional; Japão (‘satoimo’) e na China (‘eddo’), é usado como legume com a mesma popularidade da batata ocidental. Os caribenhos, que a denominam ‘dasheen’ usam a raiz e a folha para o preparo do clássico ‘callaloo’.

 

 


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