Um ABC das uvas

[17 dez 2011 | Pedro Mello e Souza | 3 comentários ]

UM NOVO ABECEDÁRIO DE UVAS DIFERENTES E EXÓTICAS

Pedro Mello e Souza, especial para O Globo

Matéria publicada em 17 de dezembro de 2011, no Caderno ELA, do jornal O Globo

Jancis Robinson, elegantérrima

 

Um abc das uvas pode ser um primeiro passo para quem se lança ao mundo dos vinhos. Mas é também o marco inicial da obra dessa senhora elegante – e inexplicavelmente magra -, aí do lado. Ela é Jancis Robinson, a primeira dama do mundo da degustação, detentora da Ordem do Império Britânico pela sua atuação no mundo dos vinhos.

 

Em seu livro, o monumental Oxford Companion of Wine, Jancis sugere a expressão ABC como um singelo verbete inicial. Mas por trás desse título lúdico estão as iniciais de “anything but chardonnay” – ou “anything but cabernet”. Em bom português, “tudo menos essas duas uvas”. A brincadeira é ácida, mas funciona como um alerta de que existe um universo de uvas além das uvas tradicionais, que são as mais fáceis para quem se inicia, mas podem entediar a quem evolui nos vinhos.

 

Com a lista abaixo, o ELA Gourmet sugere um novo abc, mas com uvas diferentes, vibrantes, surpreendentes, trazendo tipos e variedades que podem ser inesperadas ou curiosas – mas são todas interessantes e valem, graças às opiniões de um grupo de especialistas uma viagem moderna pelo mundo do vinho.

 

Ancelotta

Brasileiros e argentinos voltaram a trabalhar essa uva tinta, quase esquecida pelos italianos, que a usam para produzir o igualmente esquecido lambrusco. Segundo o sommelier João Souza, de tão fresca e perfumada, é uma uva que pode ser servida com feijoada, especialmente a argentina da Zuccardi. Sobre as variedades da Serra Gaúcha, ele destaca os aromas frutados e as notas de vinhos evoluídos, como o café. “É uma das uvas em ascensão no Brasil, e uma boa candidata a nossa variedade emblemática”, explica.

 

Bonarda

O risoto com ragu de carne é a sugestão de Cecília Aldaz, sommelière do Oro, para essa uva, que os argentinos usavam, antes, para fazer vinhos mais populares, enquanto amalbec e a torrontés brilhavam . “Os enólogos estão fazendo um bom trabalho com essa uva, que vai chegar em breve ao mesmo patamar das outras uvas típicas de Mendoza.”, prevê Cecília, que indica o rótulo Lamadrid Bonarda.

 

Chasselas: uva disputada entre suíços e franceses

 

Chasselas

É a uva perfeita para a degustação do fondue de queijo, nesses últimos dias mais frescos. O crítico Paulo Nicolay explica que a fama da uva é dividida entre suíços – é a mais celebrada entre os brancos do país – e os franceses, onde é combinada com a sauvignon blanc, na produção do Pouilly-sur-Loire. ”ótimo com mariscos e frutos do mar”, destaca Paulo.

 

Dornfeld

Uva tinta que busca seu lugar ao sol germânico, dominado pelos brancos, especialmente os rieslings. Para o crítico Oz Clarke, estão entre vinhos mais atraentes vinhos do sul da Alemanha e da vizinha Áustria.

 

Encruzado

Em termos de qualidade, será a uva mais importante da região do Dão, segundo as palavras do crítico inglês Richard Mayson, que ainda ressalta sua acidez e um lado mineral perfeiro para a companhia dos frutos do mar.

 

Furmint

Uva branca da Hungria, que poucos conhecem de nome, mas muito de produto: o nobilíssimo Tokaji. Mas a produção de vinhos de mesa com a uva também chama a atenção de especialistas como Alexandre Lalas, editor do site WineReport: “Quando é bem trabalhada, gera vinhos ricos e frescos, que têm muito a ver com nosso paladar”, comenta.

 

Tasca d'Almerita e a grillo, uva siciliana com flores e legumes no paladar (Foto Pedro Mello e Souza)

Grillo

Branca, já foi muito associada à produção do marsala. Segundo Nicola Massa, que já foi crítico do Gambero Rosso, a bíblia dos vinhos italianos, é uma uva que traz flores e vegetais ao paladar de vinhos brancos de mesa.

 

Humagne blanche

Quem vai à Suíça percebe o orgulho patriótico com que os sommeliers de lá ostentam esta uva branca em suas cartas de vinho. O crítico francês Alex Lichine a descreve seus vinhos como brilhantes e vigorosos. É uma raridade por aqui, pois a produção é pouca, toda consumida e raramente exportada.

 

Inzolia

Da Sicilia para o mundo, é outra uva usada na produção do vinho de marsala, mas que vem ganhando fama pelos seus brancos de mesa, quase sempre associada a outra uva curiosa, a catarrato..

 

Jaen

Outra uva em ascensão na região do Dão, é o equivalente luso da espanhola mencia. “A jaen é muito associada a outras uvas, mas entre os espanhóis gera vinhos delicados, frutados e que são excelentes para se servir com carnes como a maminha”, explica a sommelière Elaine de Oliveira.

 

Koshu

Quem diria, uma uva japonesa. Branca, de casca rosada, e que, segundo o especialista Célio Alzer, lembra a francesa viognier. Ele mesmo levou a uva à carta do restaurante Bazzar, com o rótulo Magrez-Aruga, desenvolvido com o mesmo know-how do Château Pape Clément, de Bordeaux.

 

Magrez Aruga Koshu: aval de Célio Alzer à uva japonesa na carta de vinhos do Bazzar (Foto: Pedro Mello e Souza)

Loureiro

Depois, da alvarinho, é a uva branca mais importante do Minho e um dos ingredientes da onda moderna dos vinhos verdes, que ganham frescor e untuosidade, segundo o consultor Homero Sodré. “E um frescor leve e próprio para nossos trópicos”, como lembra Aírton Aragão, que comenda a adega da Cavist, em Ipanema.

 

Maria Gomes

Adorável denominação que a uva branca fernão pires ganha na bairrada. Fresca e ácida, ainda segundo o paladar de Homero Sodré, que recomenda os frutos do mar. “Mas quando é associada à uva baga, em um espumante, a maria gomes segura facilmente um leitão à bairrada”, lembra o consultor.

 

Nero d’Avola

O calor da Sicília é um dos temperos dessa uva tinta, que pode gerar vinhos de impacto, como os da parte ocidental da ilha. Ou mais elegantes e elegantes, como os da parte oriental. “É uma uva que tem que ser colhida no momento preciso, pois o sol siciliano pode passa-la de verde a madura de um dia para o outro”, conta, novamente, Nicola Massa..

 

Ojo de liebre

Se flagrar um tinto com essa uva no rótulo,experimente: é a versão catalã do tempranillo, a maior das uvas espanholas. Lá, a grafia original é ull de lebre.

 

Pinotage

O cruzamento das francesas cinsault e pinotnoir, ao contrário do que sugere, vai contra a linha clássica dos vinhos europeus. O crítico inglês Oz Clarke exclama: “Dear. oh Dear, jamais teremos uma uva que gere discórdias tão ferozes”. Ele ressalta os aromas de frutas como ameixas e elementos como a lava (sim, lava) como incentivos à experiência.

 

Querer uma uva com Q é um pouco demais…

 

Rebula – É o equivalente esloveno da italiana ribolla gialla, que chega ao Brasil através do rótulo Simcic. Gera vinhos muito frescos, ideais para a beira da piscina. Ou a orla de uma bela praia.

 

Rebula, que chega ao Brasil pela eslovena Simcic: versão eslovena da italiana ribolla gialla (Foto: reprodução)

 

Sousão

É uma das uvas que dão um toque de ervas que equilibram um bom vinho do porto e alguns vinhos fortificados de americanos, australianos e sul-africanos.

 

Tinta grossa

Em passagem recente pelo Rio, o über enólogo português Paulo Laureano apresentou um rótulo inteiramente baseado nessa uva tinta, que estava praticamente desaparecida, no Alentejo. “Tem uma fineza de taninos rara nessa região”, repara ele, que estará de volta para lançar a safra 2009 do vinho.

 

Ugni Blanc

Éuma das uvas mais produzidas no mundo, mas que está distante não somente do abc de Jancis Robinson, mas também dos próprios vinhos. Explica-se: junto com a folle blanche, é a uva que só se revela depois de destilada, para dar a categoria a alguns dos conhaques mais finos do mundo.

 

Vidal

Se o abc do vinho americano está na Califórnia, seu contraponto está nos vinhos fortificados da Costa Leste, especialmente na região de (sim, pode acreditar!) Nova York, onde esta uva foi uma das responsáveis de levar a região – e seus rótulos – à capa da revista especializada WineSpectator.

 

 

Naoussa Boutari, um dos grandes tintos gregos, traz a estrutura da uva xynomavro ao Brasil (Foto: Pedro Mello e Souza)

Xynomavro – Se os gregos ajudaram a espalhar as vinhas pelo Mediterrâneo, a presença de uma de suas uvas é fundamental a essa lista. E logo com uma das melhores delas, como garante Paulo Nicolay. “Lembra muito um pinotnoir ou um nebbiolo, com vinhos estruturados e de bom corpo, que combinam bem com cordeiro ou aves”, ressalta ele.

 

Zinfandel – É uma uva tinta americana que muitos associam à italiana primitivo, mesmo depois de provas científicas ao contrário. “Adoro um bom zinfandel, mas o processo de maturação das uvas gera vinhos de graduação alcoólica alta, o que, reconheço, está na contramão do mercado”, explica o crítico Alexandre Lalas.

 

 


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Depoimentos

  1. Cris Beltrão disse:

    Linda matéria. Adorei, particularmente, a uva com Q.

  2. Oscar Daudt disse:

    Pedrão, tem a uva Quagliano…