Yes, we eat…

[25 jan 2013 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

 

Não adianta patrulhar, invocar imperialismos, dar chiliques nacionalistas ou vir com manifestos xenófobos e discursos antiamericanos. Não me convencem, têm a mesma ingenuidade retórica daqueles que se dizem patriotas ao vestir a camisa da seleção. É uma chuva de argumentos que não resistem a um minuto de análise cultural, sociológica, econômica ou histórica. E passam por piada quando seus oradores deblateram vestidos de jeans, de blackberry no bolso, de gps no carro, de laptop na mão, de windows na tela,  de Amazon e de muito iTunes na conta do seu Diners, Mastercard ou, claro, American Express.  Mas como a conversa aqui é sobre gastronomia, entre pessoas educadas e coerentes, não deixar essa desmoralização por ora.

 

Aqui, as armas são livros. Compêndios com os quais cavucamos um pouco da nossa própria arqueologia culinária ao reparar como os  mericanos sempre estiveram – e estão cada vez mais – presentes não somente em nossa melhor memória afetiva e, no paladar, nos fundamentos de nossa culinária, no passado, no presente e, preparem-se, no futuro. Adorei ler e guardar pautas muito próprias sobre brownies paradisíacos, pork ribs de salivar, baby beefs de grande ternura, chowders esplêndidos , cheesecakes brilhantes, prime ribs suculentos, maple syrups lascivos, cosmopolitans levíssimos, king crabs da maior nobreza. E, no Natal, o peru, que marca outra data que já é nacional, como o Halloween: o Thanksgiving.

 

Todas elas estariam mais completas após uma consulta ao The Encyclopedia of American Food & Drink, de John Mariani. O Anthony Bourdin não gosta dele. E isso indica que o autor é digno da minha simpatia, portanto. No conteúdo, com certeza, pois a minha reedição de 1999, a partir do original de 1983, é esclarecedora, densa, rica em datas e em fatos que, ao contrário do que se adora aqui, o que valem são os fatos, não as versões e suas lendas decorrentes. Pra completar, uma das ilustrações espetaculares do Norman Rockwell, com o jantar de Ação de Graças na capa. Esse, só em sebo: está esgotado.

 

Referência primeira: se o Bourdain não gosta, eu gosto. The Encyclopedia of American Food and Drink 01 (Foto: PMS)

Sempre que podemos, ainda mascamos chicletes, ruminamos balas toffee, devoramos kit-kats, escondemos nossos Hershey bars, escamoteamos nossos Knickers. Durante décadas, nossos sonhos foram contrabandeados na forma dos M&M’s coloridas nas meias, das batatas Pringle’s de fundo de mala, dos ketchups Heinz. Nos aquecemos com o Tabasco, nos assombramos com o ham & egg e curtimos nossos happy hours nos melhores american bars, regados com bloody mary, cubas (que só são libres por causa da Coca-Cola). Nunca curtimos asas de galinha, mas quem dispensa um chicken wings? Molho barbecue ou ranch, senhor?

 

Se estranhou algum nome, corra até a Amazon e mande baixar imediatamente o The Oxford Companion to American Food & Drink. Já tinha visto em uma prateleira da Livraria Cultura, em São Paulo, mas, na época do lançamento, já lá se vai uma meia década, era coisa pra mais de mil reais. Agora, em 5 minutos, ele chega na mão por míseros 35 reais, que nos dão direito a 700 páginas com mais de mil verbetes sobre coisas que estão entranhadas no nosso cotidiano.

 

Baixe no Kinle ou curta o peso histórico do Oxford Companion to American Food and Drink (Reprodução)

Já encontrei macaqueadas como a guerra (e paz) com os ovos, a “castanha do brasil”, tradução direta do brazilian nut, a nossa simpática castanha-do-pará. Aliás, nossa coisa nenhuma: a Bolívia é origem e a a maior produtora mundial da castanha do (tenhamos caráter) Brazil. E as variações que os chefs amerabas desenvolvem em torno de excrescências como o califórnia e o cream cheese e a inacreditável manteiga de amendoim. Seríamos mais sinceros se ouvíssemos as loas de Cole Porter ao Waldorf salad, ícone de qualquer brunch, e ao turkey dinner, rudimento de nossa comida congelada.

 

Por causa dos americanos, passamos a conhecer como kiwi o que os dicionários descreviam como groselha chinesa; nos tornamos íntimos do blueberry, que os antigos conheciam como mirtilo; e o cranberry, que os filólogos elegeram como o prosaico e patético oxicoco; ignoramos o aneto para preferir o dill; trocamos o queijo ricota, que o Brasil nunca soube o que é, pelo cottage cheese; abandonamos a bisteca de cordeiro para adotar os pork chops. Esquecemos as nozes e as castanhas para eleger as pecãs e as macadâmias e ignoramos o mascavo pelo demerara. Extinguimos o mamão imenso e descobrimos a papaya havaiana. E, finalmente, assumimos, furiosos, a alcunha de república das bananas. E nos ofendemos à toa, a expressão se referia ao Equador.

 

Em culinária, foto é tudo. E em Culinaria, uma edição espetacular de livros por países, da saudosa editora Könemann, as fotografias brigam em importância com o volume de informações. E de receitas, inclusive aquelas que são disputadas na Guerra de Secessão, que, no campo da gastronomia, não coloca mais norte contra sul, mas cidade contra cidade, bairro contra bairro, família contra família. É um livralhaço para decoração de mesa, impossível de se levar para a cama, na hora da leitura noturna. Nas livrarias eletrônicas, esgotado, mas volta e meia dou de cara com a bela lagosta da capa, em casas como a Fnac ou a Travessa.

 

Culinaria USA, da Konemann: livro raro de editora extinta (Foto: PMS)

Hambúrgueres e suas variações, cheeses e seus tudos, milk e seus shakes, cream e seus crackers. Bacons, picles e picolés, muffins e algodões doces, cupcakes e banana splits, marshmallows e club sandwiches, waffles e panquecas, sucrilhos e gelatinas fazem parte do nosso caráter. Os nomes próprios, nossas referências, com a aveia Quaker, a sopa Campbell’s, o arroz Uncle Benz e as pipocas Paul Newman. E a popularização de pratos como o chop suey, até então desconhecida na China, do molho Alfredo, uma alegoria de creme de leite em torno da original;  do arroz selvagem, que sempre tivemos e nunca exploramos; da pizza, que os próprios italianos renegavam – e muitos desconheciam, especialmente no norte – até que os soldados americanos a levassem para o mundo, com mais um V de vitória.

 

Todos esses itens estão em foco em outro livro, The Lexicon of Real American Food, esse, disponível, inclusive em Kindle. No papel, custa 15dólares. Baixando, sai por oito! Texto delicioso, descontraído, com remissões literárias e até a identificação de uma série de personagens da gastronomia mundial, autênticos garotos-propaganda de produtos que conhecemos na intimidade (ok, não todos): Popeye com o espinafre; seu amigo Dudu, com os sliders; Dagwood, com o sanduíche gigantesco, incomível; Homer Simpson, com o eggnog; Calvin e Haroldo, com o tuna sandwich; Barack Obama, com a nova onda, a cerveja artesanal, que ele diz produzir em casa e que, finalmente, me fez entender o bordão “yes we can”, não um bordão de auto-ajuda, mas, um “sim, temos em lata”. Todos eles estão nesses livros fantásticos e suas histórias maravilhosas, em que encontramos e reencontramos paladares de infância. É Uma forma de nos conhecer e de nos reconhecer através da rica história culinária dos Estados Unidos. É só ler, sem preconceitos, ufanismos e bairrismos.

 

A gastronomia e seus personagens em The Lexicon of Real American Food (Reprodução)

 


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