Vinhos no Oscar

[24 fev 2019 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

VINHO É A MAIOR DIVERSÃO

Reedição e amplicação da coluna LETRAS GARRAFAIS,

publicada no caderno Rio Show, de O Globo, em 26 de fevereiro de 2016

 

Domingo é dia de Oscar. Circulando pelos jornais americanos, muitos sugerem snacks e drinques para a festa, que, lá é sessão da tarde, mas aqui entrará pela madrugada. Posso até pensar em pipoca, mas não dispensaria o vinho. E me ocorreu que rótulos emblemáticos sempre entraram nos roteiros de filmes famosos como um sutil elemento de erudição de algum personagem e que, sem querer, acabam nos dando a dica do que tomar durante a festa da Academia.

 

Scarface e a classe de Michelle Pfeiffer (Reprodução)

Scarface e a classe de Michelle Pfeiffer (Reprodução)

É o caso de James Bond, que sempre andou às voltas com a Don Pérignon. Em Goldfinger, ele se agacha no frigobar para mais uma cuvée 1933 e critica a temperatura da garrafa, antes de ser derrubado por um inimigo: “tomar uma Don Pérignon 33 é o mesmo que ouvir Beatles sem almofadas para ouvidos”. Oscar de melhor do mau humor. Em outro filme clássico de nosso agente, “Os Diamantes são Eternos”, ele discute com o chefe o ano da uva de um jerez. Seu superior corrige Bond, dizendo que jerez não tem safra. Cínico, ele explica que se refere à safra das uvas: 1851.

 

O mau humor elegante de Alan Rickman durante as provas na Califórnia, em "O Julgamento de Paris".

O mau humor elegante de Alan Rickman durante as provas na Califórnia, em “O Julgamento de Paris”.

Quem se lembra de Sideways, Oscar pelo Melhor Roteiro Adaptado, em 2005, vai se lembrar da cena em que o ator principal, que guarda há décadas um Cheval Blanc 1961 para uma ocasião especial, acaba abrindo a garrafa em um bar de beira de estrada, acompanhando um hambúrguer gordurento e degustando o vinho em copo de isopor. Merecia um Oscar de pior harmonização. Ainda durante o filme, o próprio roteirista causou uma sacudida no mercado de vinhos americanos ao urrar, através da fala histérica do personagem de Paul Giamatti: “Eu odeio merlot”!

 

T - Copos - Vinhos - @Uvas - Merlot - Sideways - CINEMA

O ataque de Paul Giamatti que custou caro à indústria americana (Reprodução)

Um Ano Bom é delicioso por atores e atrizes e seus amores pelos vinhos. O personagem de Russell Crowe, um bastardo arrogante, que só pensa em dinheiro, vai vender a propriedade em que o viticultor, que está ali há anos, serve o vinho ruim e guarda o vinho bom. Mas o melhor é o dueto do ainda garoto com o tio, Albert Finney, aprendendo a cheirar, degustar e a reconhecer o grande vinho. Oscar de filme mais encorpado.

 

No filme “Bottle Shock”, adaptação desastrada do livro “O Julgamento de Paris”, a estrela-tema é um vinho branco espetacular, o Château Montelena, que derrotara os cinco maiores chardonnays da Borgonha daquela época. Prefira o livro mas veja o filme, que só vale pela intepretação de Alan Rickman, que a criançada conhece como um dos bruxos do Harry Potter. Oscar de melhor desenho desanimado.

 

Na disputa do vilão de Samuel L. Jackson e do agente de Colin Firth, em Kingsman, uma aula de harmonização com McDonalds (Reprodução)

Na disputa do vilão de Samuel L. Jackson e do agente de Colin Firth, em Kingsman, uma aula de harmonização com McDonalds (Reprodução)

Mas falar de filme em que o vinho é o tema não tem tanta graça. O negócio é lembrar das citações em histórias sem qualquer relação com a bebida. É o caso de “Kingsman”, a sacada espetacular do roteirista, que reuniu o vilão milionário vivido por Samuel L. Jackson e o pseudo-James Bond vivido por Colin Firth. No banquete, Jackson serve, com pompa e circunstância, uma seleção de sanduíches do McDonalds. Com fleugma mais britânica do que já tem, Firth escolhe o Big Mac. “Grande escolha”, exclama Jackson, que completa: “Casa perfeitamente com meu Château Laffite 1945”. E o oponente rebate: “Você deveria tentar Twinkies com Château d’Yquem”. Tomei nota, claro. Um dia, vou ter condições de seguir a recomendação desse que é barbada para qualquer Oscar de melhor ficção.

 

A abertura do banquete em Festa de Babette, com o general explicando o primeiro copo do banquete francês. (Reprodução)

A abertura do banquete em Festa de Babette, com o general explicando o primeiro copo do banquete francês. (Reprodução)

Em outro banquete, o de Babette, o momento do jantar nos traz algumas sugestões, como o amontillado, vinho de Jerez que acompanha a sopa de tartaruga, a Veuve Clicquot 1860, que guarnece o blinis Demidoff (com caviar) e o Clos Vougeot que desfila com a codorna. Esse, sem brincadeira, foi Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1987 e inspirou o brasileiro Estômago, que tem na piada sobre o toscano Sassicaia, tomado no gargalo, por vingança, o seu melhor momento.   

 

No filme "Um ano bom", o personagem de Albert Finney na convivência do proprietário com seu vinhedo.

No filme “Um ano bom”, o personagem de Albert Finney na convivência do proprietário com seu vinhedo.

Em Scarface, o luxo em torno da personagem Elvira, de Michelle Pfeiffer, traz uma cena histórica da atriz, no auge do seu deslumbramento, pedindo a seu marido, um bandidaço, que pare com suas grosserias: “Não estrague o champanhe”

 

Mas talvez a mais recente referência de um grande vinho de cinema não esteja nas telas, mas nas mãos de um diretor. Ele é Francis Ford Coppola, feliz proprietário de uma das mais badaladas vinícolas de Napa Valley, na Califórnia, a mesma região enfocada no filme Bottle Shock. Ali, o diretor mantém não só uma adega de boa reputação, mas também uma galeria com itens de todos os seus filmes, inclusive os da saga Poderoso Chefão. Uma Disney completa para quem gosta de cinema e que já sabe, há muito tempo que vinho é a maior diversão.

 

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T - Deu - Coluna LETRAS GARRAFAIS 2016-02-26 - O vinho no cinema, Oscar DET

 

 


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