Boulud, 57

[1 abr 2012 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

 

No dia 25 de março, Daniel Boulud completou 57 anos. Mas o presente veio antes. Em sua edição de outubro, a revista Wine Spectator publicou uma matéria, a principal da revista, sobre a cozinha francesa em estilo americano. Na capa, o sorriso do chef e dois títulos incontestados: “O rei“ e “ele mostra o caminho”. E que caminho! Das cercanias de Lyon, onde nasceu, até o Rio de Janeiro, onde esteve no início de outubro para comandar um jantar promovido pela importadora Zahil, ele deixou sua marca nos 15 restaurantes que levam seu nome. E uma estrutura administrativa que conta, hoje, com cerca de 1.200 funcionários e um batalhão de chefes, garçons, sommeliers e gerentes que levam anos para alcançar os postos mais cobiçados dessa estrutura. “Gerenciamento é tudo”, repete Boulud, quase como um mantra, durante o bate-papo com chefs cariocas, na coletiva que deu à imprensa e na entrevista exclusiva que concedeu a mim e à empresária Cris Beltrão, para a revista EatinOut.

 

 

 

 

O senhor concorda com os títulos da Wine Spectator?

Aceito o título (risos), mas penso que manter a essência da cozinha francesa é o fundamento responsável por tudo isso. A partir daí, o grande desafio é encontrar em manter uma boa equipe. Quanto mais mantemos talentos em qualquer área dos nossos serviços, mais clientes fiéis nós conquistamos. Na cozinha, nosso conceito é, basicamente, o de diversificar dentro da tradição francesa. Assim, criamos perfis de diferenças sutis, como a que eu chamo de franco-americana, que é o que predomina no cardápio do Daniel. Ou a Paris-Nova York, que é a que dá o conceito do DBGB.

 

No início de 2011, o Le Figaro anunciou o fim da cozinha molecular. Qual a sua opinião sobre isso?

Ora, a cozinha molecular não acabou. Só mudou de nome. Agora, modernist cuisine é a nova denominação dessa moda. Na realidade, já trabalhamos com grande parte de seus conceitos há muito tempo. Nos anos 70, na época em que eu trabalhava em restaurantes de grandes chefs, em Lyon, a técnica de cozimento a vácuo, o sous vide já existia, mas em escala industrial. Aos poucos, o conceito foi chegando à cozinha até que os espanhóis fizessem um aproveitamento muito criativo dos seus recursos.

 

Quanto à tendência dos ingredientes locais, como o senhor trata o tema diante da dimensão de sua estrutura?

É uma questão já estabelecida, que nos garante ingredientes frescos e bem de acordo com a nossa filosofia, de nunca ter a ambição de crescer para ser internacional, mas para ser local. No caso do DBGB, o conceito de “bangers & beer” (salsichas com cerveja) foi desenvolvido junto a charcutiers que usam produtos locais, mesmo para produzir especialidades de origem alemã, tailandesa, coreana ou tunisina. Mas há casos curiosos de fornecedores locais, como os da China. Até encontrar as pernas de rãs mais adequadas, tivemos de encarar criadores que nos traziam sapos gigantescos. Mas soubemos transmitir nossa cultura e ensinamos a mantê-los. Lá, comer é uma religião, mas os restaurantes ocidentais ainda levam algum tempo até adequar seu perfil ao gosto dos chineses.

 

As salsichas do DBGB, em Nova York: produção própria (Foto: Thomas Schauer)

 

E quanto aos vinhos, como o senhor lida com a oferta crescente de estilos e terroirs?

O bom vinho merece sempre um prato equilibrado. Por isso, em função da linha franco-americana dos nossos cardápios, busco sempre manter uma boa oferta de rótulos franceses e americanos, com uma pequena parte para outras origens. Com a exploração de temas mais mediterrâneos, a origem dos vinhos franceses tende a se basear mais em rótulos das regiões do Rhône e da Borgonha.

 

Formação e educação foram os temas mais comuns de suas conversas. Em que nível o senhor se dedica a ambos?

Os dois são braços fundamentais da nossa estrutura. Temos um programa de treinamento completo, não só na parte da cozinha. Mais de metade dos cursos é dedicada ao atendimento ao cliente. Na parte prática, desenvolvemos métodos para desenvolver talentos e para transmitir segurança à nossa equipe de forma a dar a um garçom a tranqüilidade na abordagem do cliente. E do cliente também se sentir confortável nessa abordagem.

 

Todos têm a mesma chance nessa formação?

Em cada casa temos perfis diferentes de estilos, assim como temos também diferentes perfis de profissionais. O coup de feu não acontece atrás do balcão, mas na frente. Em todas as casas, buscamos uma forma de atendimento personalizado ao cliente, que também acaba sendo educado dessa forma.

 

Como isso acontece?

Em qualquer lugar do mundo, o profissional sofre com casos de falta de educação do público. Um dos exemplos é a exigência ou não de um terno ou blaser para uma casa mais fina. Pessoalmente, penso que a cada vez em que o terno é exigido, o cliente recebe uma mensagem sobre o nível de atendimento que ele vai ter. Seria bom que esse tema fosse mais debatido pelos blogs de gastronomia.

 

O magret de pato do Maison Boulud, em Beijing (Foto: Thomas Schauer)

 

Há dificuldade no recrutamento?

Os desafios de Nova York parecem bem similares aos do Rio de Janeiro: há muita competitividade, dificuldade de boas equipes, endurecimento de leis trabalhistas. Mas é uma situação que o empurra adiante e o estimula a buscar soluções. Há chefes que estão comigo há 8, 10, 15 anos. Após uns 5 ou 6, ele já revela o seu talento e chega ao comando da equipe de alguns dos meus restaurantes. Quando a pessoa chega, não temos a menos idéia de como o talento dela vai se desenvolver. Mas como o tempo, sentimos a dedicação da pessoa e se vale a pena ou dar a ela um emprego. A busca do talento é longa. E o custo é caro.

 

Que tipo de dica o senhor leva do Brasil?

Tinha poucas referências sobre a culinária brasileira até o evento que realizei com o artista plástico Vik Muniz. Foi quando aprendi o que era uma feijoada, uma muqueca. O que eu faço é levar o maior número possível de livros de culinária aos meus chefs, para reproduzi-la, aprende-la e, depois, personaliza-la. Mas do Brasil, levo algo a mais: a impressão de que é um público mais sofisticado do que ele mesmo se imagina, especialmente após a solidez que tem mostrado em sua exposição ao mundo.

 

O chef Daniel Boulud no salão do Daniel, restaurante três estrelas de Nova York (foto: Thomas Schauer)

 

 

 


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