Wagyu: Ipanema beef

[30 jul 2012 | Pedro Mello e Souza | 3 comentários ]

 

Desde os fins do século passado, me recuso a dizer qual, o wagyu tornou-se uma febre entre os devoradores de carne. Chegou sob a grife do bife de Kobe e com a mística de custar 200 dólares o escalope. Desbancou o luxo maior que a época tinha na área: os angus certified britânicos.  As primeiras imagens que circularam, em uma época em que a internet ainda era uma desconfiança (hoje, é uma suspeita) e as redes sociais atuais ainda estavam em gestação, eram diferentes das carnes que estávamos acostumados a ver, sentir, manusear.

 

Na aparência, lembravam umas esponjas rosas, com ranhuras brancas, que eram dispostas com a delicadeza de um sashimi. Dariam um ótimo papel de parede. Aos poucos, foi chegando a nós em diferentes formatos e densidades de sua gordura, que, cultuadíssima, é entremeada na carne como uma rede em 3D, não com a capa que vemos em picanhas e contrafilés.  Eram cortes de cruzamentos diferentes das matrizes japonesas, primeiro com raças australianas e neozelandesas, depois com americanas e, para dar o ar doméstico, as uruguaias, que chegavam com um paladar rico, às vezes intenso demais, quase enjoativo, como no caso das fraldinhas.

 

Marmorizado fino, reticulado, do Wagyu japonês

Era um paladar forte, sim, mas que o gosto brasileiro não considerou tão superior a ponto de encarar a diferença de preço em relação aos cortes mais corriqueiros. Talvez faltasse exatamente isso: uma adequação ao paladar nacional, produzido aqui. E algo que se parecesse com o que já experimentara em Los Angeles, na forma de um hambúrguer, ou, anos depois, em São Paulo, como convém na grelha leve – o gyutataki, como dizem. Esplêndidos, todos. Diferentes, todos.

 

Mas se o mundo dá as suas voltas, com lugar comum e tudo, o mundo das carnes não será exceção. E ele parou na minha frente, na forma de um menu original que o Bazzar dedica à carne wagyu.  Dessa vez, a carne não era mais pesada e cansativa, o que mostra que, em algum lugar, em algum momento, houve um erro de percurso.

 

Bazzar: steak tartare de wagyu com gema caipira e fio de batata frita (Foto: PMS)

Era leve, perfumada e, principalmente, obediente às sugestões da casa e à conspiração de duas das pessoas mais importantes da gastronomia carioca atual: Cristiana Beltrão e o seu chef Claudio de Freitas. Foram eles que escolheram a carne, a partir de uma das diretrizes da casa: produtos nacionais. Tudo se encaixou.

 

São quatro as escolhas – o ideal é pedir as quatro: entrada e três pratos principais. No primeiro, a crua, experiência de impacto, a mais adequada para sentir a textura de algo realmente diferente – e a que mais se aproxima daquele que os próprios japoneses indicam para a degustação da carne original.

 

Rib eye de wagyu com arroz de brie e molho de cupuaçu (Foto: PMS)

 

E veio na forma do steak tartare, com o paladar untuoso da carne batida na faca delicada, enriquecido com uma gema caipira. O lado crunchy veio no fio ao alto da montagem, uma longa tecelagem de batata frita. No molho, sob a carne, um batido de alcaparras.  O segundo formato veio na forma de um dos cortes da moda: a bochecha. E como convém, cozida lentamente, até que as fibras se soltassem e se enriquecessem do molho de cerveja stout e extrato de guaraná. Purê de cará para o equilíbrio.

 

Bochecha no stout e extrato de guaraná, purê de cará (Foto: PMS)

 

Não podia faltar o filé grelhado, tão amado por nós, platinos. Altius, mas, felizmente, nada fortius ou sitius. Pelo contrário: generosa e macia, como se dizia a pax romana.  No acompanhamento do prato, uma cruzada pessoal do chef Claudio: uma alternativa para a ditadura do brie com geleia de damasco. Veio o arroz com o queijo, ok, mas com o toque de acidez que valorizou a carne: o molho de cupuaçu.

 

Por fim, outra experiência que volta à carne picada – e que se tornou a aplicação maior do wagyu em todo o mundo: a hambúrguer fino. Untuoso, cremoso e luxuoso, com sua guarnição de foie gras e cebolas carameladas. Opão, já conhecia do hambúrguer do Bazzar Café, excepcional, que me mata, em Ipanema ou no Leblon, as saudades de endereços míticos da Park Avenue.

 

Hambúrguer de Wagyu com foie gras e cebolas carameladas (Foto: PMS)

 

Quatro formas diferentes de preparo. Em todas elas, podem-se encontrar tons comuns, mas um deles diz respeito aos vinhos: a estrutura que a forma especial da gordura proporciona. Os rótulos foram sugeridos sem compromisso direto com o cardápio especial – a turma era descontraída – mas a inteligência emocional falou alto. E vieram o (melhor) tannat do Uruguai, o Amat. E o (melhor, nas palavras de Robert Parker) syrah da área de Crozes-Hermitages, o bio Crozes Hermitage Les Varonniers 2008, tão delicado e responsável que o rótulo vem em braille.

 

Falava sério – e já falo há algum tempo: brinco quando eu digo que são, alegremente, honestamente, consistentemente, duas das pessoas mais importantes da gastronomia carioca atual?

 

 


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Depoimentos

  1. Carla Oliveira disse:

    Leitura que deixa a gente desmanchada, tal qual o wagyu.

  2. laura castro disse:

    Show !!!