De A a Z: o Porco

[5 fev 2019 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

O alfabeto do porco

Um compêndio que, de A a Z, extrai o que há de melhor nos cortes modernos e tradicionais da carne suína.

T - Livros - The Whole Beast, From Nose to Tail 01, Porco, Pork Fergus Henderson(Reprodução)

O chef inglês Fergus Henderson não sai da moda há mais de uma década. Ele é um dos líderes do movimento de resgate das finezas das carnes de porco, sejas as frescas, sejam as curadas em salmouras ou fumeiros, sejam os seus derivados, que se espalham pelo mundo na forma em um interminável rosário de embutidos, presuntos e salsicharias de todos os formatos.

 

Desse movimento, Henderson gerou a pesquisa que levou à publicação do livro The Whole Beast, From nose to tail, um dos maiores compêndios sobre o porco, que, tal como entendemos pelo título, é apreveitável do focinho ao rabo. Hoje, o chef lidera um universo de chefs que, aliviados das superstições contra o animal, nos trazem cortes novos ou resgatam antigos, livrando o respeitável público de um espetáculo restrito a lombos e costeletas.

 

De Portugal, chega um reforço extra, a moda do porco preto. É o reforço de um orgulho nacional, já que, garantem, é a matriz que os espanhóis levam para engordar e, já do outro lado da fronteira, gerar os requintes do presunto ibérico, o mítico pata negra. Mas os lusitanos também dão suas sugestões a Henderson através de um vocabulário bem novo, com cortes que vão das plumas aos mimos, das garras aos secretos.

 

Eles integram um vocabulário rico e saboroso, que, junto com as demais áreas de secular cultura suína – Espanha, Itália, França, Alemanha -, formam um mundo à parte na vanguarda da gastronomia.

 

 

Alheira

Enchido secular que, reza a uma tradição questionada, teria sido criada pelos judeus portugueses, como recurso para fugir à perseguição da Inquisição, que os reconhecia por não ter linguiças de porco secando à porta. As leis relaxaram, os hábitos se diluíram e a receita acabou por reincorporar a carne de porco. Robusta, farta e dobrada em ferradura, forma que assume ao ter as pontas atadas umas às outras, deve ser frita em óleo ou cozida em água. Acompanham ovos fritos ou os legumes – ou grelos, no Douro -, couve lombarda em Trás-os-Montes, brócolos na Beira Baixa. E batatas cozidas.

 

Barriga

Nova moda entre os chefs contemporâneos, é a carne do porco entremeada de gordura, que vai ao forno e sai à mesa na forma de um arco-íris de sabores e texturas, seja como prato principal ou como recheio de sanduíches ogros.

 

Bifana

Lombo de porco grelhado, cortado em forma de bife, que batiza o sanduíche que costuma rechear. O normal é que seja cortado com pelo menos um dedo de espessura e marinado em vinha d’alhos antes de ir à frigideira ou à grelha

 

Cotecchino

Adorável e finíssimo embutido emiliano, meio termo entre um salsichão e um salame feito com carnes da cabeça e do pescoço do porco e temperos como o alho. É um dos embutidos que integram o cast do bollito misto. Nas festas de ano novo, o cotecchino com lentilhas é um voto de sorte e prosperidade. Igual, no Brasil, só no Bar da Dona Onça, em São Paulo.

 

Debreziner

Versão vienense das morcilhas, oferecidas pelas ‘wurstlstands’ das ruas de Viena, a partir da especialidade húngara do mesmo nome, criada na cidade de Debrecen.

 

Eisbein, pork knuckles, joelho de porco: defumada, assada e pururucada antes do olimpo da mesa. (Foto Pedro Mello e Souza)

Eisbein, pork knuckles, joelho de porco: defumada, assada e pururucada antes do olimpo da mesa. (Foto Pedro Mello e Souza)

Eisbein

Denominação que o ‘joelho de porco’ ganha de bávaros e alsacianos. Trata-se de um dos mais prezados cortes dos suínos, graças à textura e suculência de sua carne e das gorduras que a revestem no sistema da articulação do animal. Normalmente, é defumado e frito em óleo para a graça crocante de sua pele, antes de ir à mesa guarnecido com batatas e repolhos, preferencialmente o chucrute.

 

Fromage de tête

Não um queijo, mas um finíssimo embutido de carnes de cabeça de de porco ou vitela cozidos lentamente e deixados e esfriar em um molde como a terrine, no melhor estilo de um ‘aspic’. É fatiado e servido morno ou frio, com molho vinagrete e salada ou em recheio de pão.

 

Guanciale

Elemento fundamental do molho carbonara – pancetta é para fracos; bacon é para falsos -, é a carne da papada do porco curada com sal e pimenta. Pode ser fatiada fina, para o antipasto ou ir à panela para fazer as vezes do mais fino toucinho.

 

Hambúrguer

Tradicionalmente, de carne de boi, mas há quem diga que a carne de porco está por trás da criação da iguaria graças a receitas como o mett, uma espécie de tartare de carne suína, que era especialidade de… sim Hamburgo.

 

Joselito

Mais famoso dos presuntos de porcos ibéricos do tipo pata negra, ganhou fama mundial depois que Ferran Adrià declarou que era o ‘jamón’ perfeito e o colocou em uma de suas criações, no antigo El Bulli.

 

Kassler: quantos tons de vermelho? (Foto Pedro Mello e Souza)

Kassler: quantos tons de vermelho? (Foto Pedro Mello e Souza)

Kassler

Mais nobre das formas do carré de porco, é a peça defumada e pronta para ir à grelha ou mesmo ao cozimento, quando libera seus tons de suavidade das várias camadas de carne que o compõem.

 

Geoduck, lardo e uma baguetinha aerada (Foto: Pedro Mello e Souza)

Geoduck, lardo e uma baguetinha aerada, de Matthew Lightner, quando ele deu a segunda estrela do Michelin para o Atera, em Nova York (Foto: Pedro Mello e Souza)

Lardo

Corte fino do toucinho superior do porco, em que a carne quase não é encontrada. É branco, portanto, mas, quando devidamente salgado e aromatizado com ervas e, principalmente, cortado fino como um carpaccio, revela sua elegância e sua fineza, especialmente aquele que é encontrado na área de Colonatta, na Toscana.

 

Miminhos

Uma das denominações que os portugueses conferem aos escalopes de entecosto de porco preto.

 

Nduja com ovo e funcho, do restaurante A Voce, (FOTO Pedro Mello e Souza)

Nduja com ovo e funcho, do restaurante A Voce, em Nova York (FOTO Pedro Mello e Souza)

Nduja

Pronuncia-se “anduia” e seria uma corruptela da palavra andouille, um famoso salsichão francês. Aqui, a especialidade é italiana e vale mais pelo seu recheio, um creme picante de carnes de porco e especiarias, que se passa no pão e que, recentemente, tornou-se febre entre os chefs contemporâneos.

 

Pururuca de orelhas, aperitivos crocantes que eram servidas antes da feijoada do Antiquarius. (Foto Pedro Mello e Souza)

Pururuca de orelhas, aperitivos crocantes que eram servidas antes da feijoada do Antiquarius. (Foto Pedro Mello e Souza)

Orelha

No porco, é um dos ingredientes que levam sabor defumado aos preparados que integra. No leitão, um delicado petisco que, quando ganha a pururuca, é degustado como um biscoito crocante.

 

Plumas, Presas, Pica-pau

Três denominações derivadas da onda do porco preto, Uma, é a carne mais tenra do filé de lombo, cortada em fatias finas ou, como dizem em Portugal, plumas. Outra, é a carne fina extraída do cachaço, a nuca do porco. São ricas e devem ser tratadas como os filés de costela do animal. Por fim, o pica-pau é um petisco preparado com carnes macias do costado, como o cachaço e o próprio lombo. E servidos, em bocados, com palitos. Em bom brasileiro, nosso popular filé aperitivo.

 

Queixadas

Especialidade de Elvas, próximo à fronteira com a Espanha. São bifinhos da carne do queixo do porco que vão ao forno com marinada de vinha d’alhos. Têm sabor rico e, se bem preparada, mantêm-se tenras mesmo depois de sofrer com o hábito que o porco mais conserva desde que nasce: mastigar.

 

Ribs

As famosas costelinhas ganharam os restaurantes de rede, sempre com a guarnição das versões de molho barbecue. Mas, quando preparadas com delicadeza, liberam seu paladar adocicado e sua textura macia, com a carne soltando-se facilmente dos ossos.

 

Secretos

Outro corte criado com a febre do porco preto, é uma carne fina e macia, que se “esconde” por trás da manta de toucinho da barriga e do diafragma. Muito tenra e saborosa, recebe, na cozinha, o tratamento fino de um filé.

 

Txistorra

Grafia original que os bascos conferem à chistorra, uma delicada linguiça que é frita para o serviço dos tapas ou segue para a panela para guarnecer cozidos e paellas. Ligeiramente picante, é marcada por verdes como a erva doce.

 

Unto

Denominação que os portugueses dão à banha, gordura fina, inigualável no preparo de feijões, refogados de legumes e frituras do próprio porco.

 

Ventrèche

Mais exatamente, ventrèche roulée, francês para barriga enrolada, referência ao manto dobrado da barriga do porco, usado para dar sabor especial em cozidos, sopas e ensopados do sudoeste da França.

 

Weisswurst

Literalmente, ‘salsicha branca’. É uma das opções oferecidas pelos ‘wurstlstand’, barraquinhas que vendem salsicharias dia e noite, em Viena.

 

Xixo

Do árabe shish, o mesmo do kebab das esquinas de Nova York. No Brasil, tal como no original, é um espeto de carnes, bacon, tomates, cebolas e pimentões que vão à grelha ou ao fogo de brasa.

 

York

Paradigma de todos os presuntos cozidos, é uma peça defumada tão lentamente que ganha a carne com o mesmo tom rosado dos genéricos industriais.

 

Zampone

De zampa, perna. Clássico entre os embutidos italianos, é o pé de porco desossado e recheado com massa de carnes de orelha, focinho e do próprio pé do animal, aromatizada com pimenta, cravo e noz moscada. Tradicionalmente, a iguaria é fatiada e degustada com lentilhas.

 

 


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