Ruas de sabores

[29 ago 2011 | Pedro Mello e Souza | 2 comentários ]

Angu da Lucinha (Foto: Marcos Pinto)

 

Quitutes, suas esquinas, seus personagens, suas lendas, seu livro.

 

Baixa gastronomia é uma expressão que os cariocas criaram para definir o universo das comidinhas de rua do Rio de Janeiro. Não é um rebaixamento do sabor local, mas um divertido deboche à alta gastronomia, à qual nem todos têm acesso. E que congrega um público tão alegre em torno de paladares tão diversos. Servem como vitrine das origens da cidade, dos quibes árabes de esquina aos acarajés baianos das calçadas, os bolinhos de bacalhau dos lusitanos, as empadas, originais empanadas dos ibéricos.

 

Um importante foco sobre esse fenômeno surgiu em fevereiro, com a publicação do livro “Guia carioca de gastronomia de rua”, de Sérgio Bloch. Com o roteiro e a visão do cineasta que é, Bloch identificou não somente os quitutes como os locais em que se estabelecem e os personagens que os cercam, desde os cozinheiros que os preparam ao público que os consome.

 

Churrasquinho do Família, na Av. Rio Branco (Foto: Marcos Pinto)

O Morro da Conceição, um dos berços do samba, foi uma das paradas do roteiro do livro. E uma das mais importantes. Ali, na Pedra do Sal, em pleno Centro da Cidade, o sabor antropológico fica por conta do angu, um purê de farinha de milho guarnecido com um ensopado de carnes e miúdos. Quem prepara a receita é Lucinha, uma das líderes da Associação de Remanescentes do Quilombo da Pedra do Sal.

 

“Minha mãe vendia angu durante os ensaios do bloco carnavalesco Escravos de Mauá. Herdei o ponto”, revelou, em depoimento ao livro, acerca da fórmula, que já sustentava os trabalhadores da região, antes e depois da abolição da escravidão.

 

Quem fala em angu, fala em milho. Roer uma bela espiga, de grãos muito amarelos, crocantes e avantajados é um costume que remonta às origens do país. Na orla ou em carrocinhas do Centro, são cozidos em água e sal e servidos na própria folha. É como faz Jorge, um ex-tenente da Aeronáutica (e personagem do guia), em seu ponto no Catete.

 

Igualmente africano é o acarajé, um bolinho de feijão-fradinho cozido, descascado, pilado, frito em dendê e recheado com pimenta, camarões, tomates picados. De tão importante, foi tombada pelo Patrimônio Histórico da Bahia. E cabe à baiana Teresa prepará-la em sua barraca, em Santa Teresa, com todo o cuidado que a iguaria exige. E a guarnecê-la com o vatapá, os camarões e as pimentas que lhe fizeram a fama.

 

O churrasquinho é outra instituição carioca. Nas ruas do Centro esbarra-se com pequenas grelhas fumegantes, montadas nas calçadas das ruas mais antigas. O cheiro da carne, que crepita sobre a brasa é irresistível. E atrai tanto o trabalhador faminto, para o almoço, quanto a boêmia do fim de tarde, de cerveja e espeto na mão – ou o pão de alho, como sugere o livro.

 

O peixe seco, especialmente o bacalhau, foi um dos elementos que garantiram a alimentação dos marinheiros, na época das Navegações. A forma de conserva, o sal, deu o tempero básico – e histórico – para o ingrediente, que ganhou as ruas cariocas através do bolinho, semelhante ao que se prepara em Portugal, frito em azeite, mas com uma personalidade própria, da liga de batata aos cheiros e condimentos. Pode ser encontrada largamente nos botequins ou, como enfocou Sérgio Bloch, em feiras livres.

 

Também das feiras e, dizem, também das Navegações, está o pastel, fritura delicada, leve, com recheios de carne ou queijo, crocante como só no Brasil se faz.

 

Pastel do Oswaldo (Foto: Marcos Pinto)

 

Mesmo banida das praias, a tapíoca está mais na moda do que nunca. Hoje em carrocinhas, é servido em sua forma original, indígena, mais antiga do que o próprio Brasil. É um finíssimo meio termo entre o pão e o biscoito, preparado na hora, na chapa quente, com fécula de farinha fermentada de mandioca.

 

No recheio, queijo com manteiga-de-garrafa, coco e leite condensado ou, como sugere Arnaldo, que circula com sua carrocinha entre Flamengo e Botafogo, caldas de goiabada com queijo, dito Romeu e Julieta.

 

E há a pipoca, as saladas de praia, as caipirinhas, os churros, as cocadas, todas na mão, a serviço da mais alta gastronomia.

 

 

 

 

Guia Carioca de Gastronomia de Rua

Concepção e edição: Sérgio Bloch

Textos: Ines Garçoni

Fotos: Marcos Pinto

Editora: Arte Ensaio

Preço sugerido: R$ 50

 

 


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Depoimentos

  1. Gostaria que vc divulgasse o lançamento do livro VIAGEM AO MUNDO DA CACHAÇA que vai acontecer na Livraria da Travessa de Ipanema – Rua Visconde de Piraja 572 dia 06/09 a partir das 19 horas, trata-se de um livro recomendado para interessados em degustar e conhecer uma boa cachaça. São 262 paginas com fotos e grandes informações sobre a bebida, curiosidades, historias, receitas e dicas de como apreciar a bebida brasileira. Mais detalhes contacte pelo meu email ou pelo tel 21-88841891. Depois informo datas, locais e horarios dos lançamentos em outras capitais.

    Sou cachacier e responsavel pelas degustações de cachaças do Espaço Carioca de Gastronomia em Botafogo, todas noticiadas pelo seu www. talheres.info

    abraços

  2. Cris Beltrão disse:

    adorei este post e a definição de baixa gastronomia, que não pretende traduzir a gastronomia carioca, mas ampliar seus horizontes.