Viagem a Shanghai

[16 abr 2011 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]


Um gigante à mesa

 

Fernanda Menegotto

 

Não se trata de espetinho de escorpião. Nem de gafanhoto crocante. Muito menos de bicho-de-seda, cavalo-marinho ou estrela-do-mar levemente defumada. As iguarias que você não pode deixar de experimentar quando viajar à China jamais vão deixá-lo sofrer. Ou fazer cara feia. Os petiscos esquisitos vendidos como troféus em feirinhas de rua viram lenda em frente à cozinha deliciosa e inventiva da metrópole mais cosmopolita do país: Shanghai. A cidade onde tudo parece grande demais. Neon demais. Surpreendente demais. Para os lados, para cima, em direção ao horizonte de concreto. E sobre a mesa.

 

Confesso que até chegar à Shanghai, depois de quase quinze dias rodando a China, penei para comer bem. O roteiro frenético em Beijing, pontuado por muitas visitas a templos e monumentos, não me deixou fôlego para correr os bons restaurantes indicados por livros, guias e gente local. E, claro, faltou estômago para encarar aqueles besliquetes exóticos. Após algumas tentativas frustradas e escolhas infelizes – como um picolé de feijão verde – sobrou para o fast-food bem ocidental. Nunca vi tanto KFC e Mc Donalds juntos em um mesmo quarteirão…Na correria? Fazer o quê?

 

Também foi difícil acertar o que comer nas províncias do interior, a exemplo de Pyngiao e Xi’an. Eram dois os agravantes: a barreira do idioma e a incompatibilidade de costumes. Noodles e pimenta no café-da-manhã? Bolinhos de carne de porco à noite? Os pratos apimentados, açucarados e gordurosos demais não convenciam. Ataquei sopinha de tofu com acelga, milho doce, chá de jasmim. E ficou por isso.

 

O “jejum” foi terminar em Shanghai. Sobravam opções. Comer virou um programão na cidade que já é reconhecida pela sua cozinha internacional e alta qualidade de restaurantes. O experiente chef Ge Xiane atribui o destaque crescente às mudanças que cercam a metrópole. “Nesses anos todos tenho percebido o quanto a cozinha daqui evoluiu. Saiu de cena o perfil local, repleto de sabores e temperos fortes, para entrar uma mescla mais cosmopolita, menos pesada”.

 

Ele me explicou que, em boa parte dos asiáticos de Shanghai, o preparo dos pratos ainda segue técnicas clássicas chinesas. Alguns tipos de carnes são fervidos lentamente em um molho de soja bem concentrado, deixando o prato com um aspecto avermelhado. Frutos do mar são cozidos vivos em um caldo de ervas e licor.  E ainda é possível encontrar nos recantos mais tradicionais os típicos ovos de 1000 anos – ovos de galinha ou de pata imersos em uma solução alcalina por um mês.

 

Xiane comanda o cardápio de um dos restaurantes de linha fusion mais respeitados da região – o Yé Shanghai. Jantei na filial da colorida e disputada área de Xintiandi, a preferida entre turistas e expatriados em busca de diversão. Era fim de noite e não precisei esperar muito para descolar uma mesa espaçosa. No preparo das receitas, surpresa com a mistura de ingredientes e referências de todos os cantos do planeta: molho de soja, vinhos de arroz, jasmin, lichia, vinhos da Alsácia, frutos do mar, vegetais cozidos, manteiga, cacau, especiarias. E, para temperar o banquete, um brinde inesperado: ótimo atendimento. De primeira linha. Algo comum para Shanghai, mas nem tanto para a China…

 

Uma hora dá saudade de comida ocidental. E, por lá, não será preciso passar sufoco. Há dezenas de opções, especialmente, pela orla do TheBund, bairro colonizado pelos ingleses no século XIX às margens do rio Huang-Pu. O M on the Bund não pode escapar do seu roteiro. Sabe um daqueles lugares lindos e tradicionais que você decide ir para não errar? Localizado no terraço de um prédio de estilo clássico e incluído em todos os guias de viagem que encontrei pela frente, o restaurante também entrou na minha lista.

 

O visual da parte mais futurista de Shanghai, o Pudong, deixa o jantar ainda melhor. O menu é inspirado nos bistrôs moderninhos da Europa, com pratos que transitam do Mediterrâneo ao leste europeu. O executivo do restaurante Hamish Pollitt tem a definição exata. “Não temos nada de fusion. Somos um país só em cada prato”. Isso não significa que os ingredientes made in China fiquem de fora. Os de boa qualidade, claro, estão sempre lá. “Caviar, trufas, peixe fresco, frutas e muitos vegetais”, enumera.

 

E se você quiser o contrário? Vários países em um mesmo prato? Vale a visita ao T8 Restaurante & Bar, bem pertinho do Yé Shanghai, em Xintiandi. O ambiente ganha um ar despojado com a cozinha iluminada no salão central, para todo mundo que quiser ver chineses e não-chineses trabalhando. Sim, Shanghai é a terra, também, de novos talentos da gastronomia buscarem oportunidades. O chef australiano Stephen Wright aposta nas misturas irreverentes, escolhendo sempre os ingredientes mais frescos de cada estação. Fui na dica dele: salmão caramelizado com salada de manga verde, cosmopolitan com muito gengibre e o infame prato –“Chocolate Addiction” – para desesperados por chocolate como eu.

 

Shanghai, definitivamente, faz alta gastronomia. Mas tem estrada pela frente. Para o chefe executivo do M on The Bund, não há como fazer qualquer comparação com Paris, Londres e Nova York. “Ainda é cedo. Simplesmente a cidade não teve tempo suficiente, experiência e nem gente formada o bastante para chegar lá”. Vontade e força de trabalho é o que não faltam a esta metrópole que me trouxe de novo à terra dos Jetsons e de Blade Runner. E com comida de verdade…

 

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *